Em 12 meses até maio, período mais recente com dados disponíveis, os preços de vestuário acumularam alta de 16,08%, conforme o IPCA
Leonardo Vieceli/FolhaPress
Rio de Janeiro, RJ
Após pressionar produtos como alimentos e combustíveis, a inflação alcançou roupas, calçados e acessórios no Brasil.
Em 12 meses até maio, período mais recente com dados disponíveis, os preços de vestuário acumularam alta de 16,08%, conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Trata-se da maior inflação registrada pelo setor desde julho de 1995, quando o país vivia os impactos da transição para o Plano Real. À época, vestuário registrou alta de 18,68% em 12 meses.
De acordo com analistas, os dados atuais refletem a carestia gerada por uma combinação de fatores de oferta e demanda.
O economista Fabio Bentes, da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), lembra que a pandemia provocou um desajuste nas cadeias produtivas que fornecem matérias-primas para a indústria.
Com a escassez de parte das mercadorias, os custos de fabricação aumentaram, o que forçou os repasses para os preços finais das roupas.
Em uma média de 12 meses até maio, a inflação de insumos usados na indústria para fabricação de produtos têxteis, artigos de vestuário e artefatos de couro e calçados subiu 12,8%, segundo cálculo realizado por Bentes, a partir de dados do IPP (Índice de Preços ao Produtor), do IBGE.
Esse aumento já foi maior durante a pandemia. Até agosto de 2021, a alta acumulada chegou a 28,4%.
Outro fator que passou a pressionar os preços finais de vestuário, diz Bentes, foi a retomada do consumo com a volta da circulação dos consumidores nas lojas.
Em 12 meses até abril, período mais recente com dados disponíveis, o volume das vendas do varejo de tecidos, vestuário e calçados acumulou alta de 19,4% no Brasil. O setor, contudo, ainda não superou todas as perdas da pandemia.
Está 8,6% abaixo do patamar pré-crise, de fevereiro de 2020, segundo dados de outra pesquisa do IBGE, a PMC (Pesquisa Mensal de Comércio). O levantamento envolve empresas com 20 funcionários ou mais.
“Tivemos pelo menos dois fatores de impacto sobre a inflação de vestuário. Houve retomada do consumo, com a recuperação de parte das margens de lucro que haviam sido sacrificadas pelas empresas no começo da crise, e escalada dos preços no atacado”, avalia Bentes.
SÓ TRANSPORTES TÊM INFLAÇÃO MAIOR
Com a demanda reprimida nas fases iniciais da pandemia, o vestuário chegou a registrar deflação (queda de preços) por nove meses consecutivos (maio de 2020 a janeiro de 2021) no acumulado do IPCA.
Esse cenário se inverteu após a derrubada das restrições à operação das lojas.
Entre os nove grupos de produtos e serviços pesquisados no IPCA, a inflação acumulada por vestuário (16,08%) só ficou abaixo da alta registrada por transportes (19,92%) em 12 meses até maio.
O avanço de transportes reflete, sobretudo, a carestia de combustíveis como a gasolina.
“Um ponto que com certeza pesa sobre a inflação de vestuário é o retorno do consumo presencial. Muita gente ainda não aderiu ao comércio eletrônico para comprar roupa”, afirma o economista Thiago de Moraes Moreira, professor do Ibmec-RJ e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“As pessoas voltaram a consumir, e estão pagando mais por isso, enquanto o varejo busca recompor as perdas financeiras geradas pela pandemia”, acrescenta.
EMPRESAS BUSCAM DRIBLAR PRESSÃO
Além do aumento de insumos e da volta da demanda presencial, a alta nos custos de transporte de mercadorias e da energia elétrica também pressionou a inflação de vestuário, diz o empresário Thiago Sitta, 41.
Ele é sócio-diretor da Remo Fenut, marca de roupas sociais com 12 lojas em centros comerciais e fábrica em São Paulo.
“O frete marítimo, por exemplo, aumentou cinco vezes o que custava antes da pandemia. Um botão saía por R$ 0,10, agora sai por R$ 0,20. Chegou a faltar insumo para caixas e sacolas”, relata.
Para evitar a perda de vendas, Sitta diz buscar medidas “paliativas” contra a inflação.
“Por exemplo, a gente substitui uma camisa social por uma camisa polo, com um valor melhor, que não precisa ser vendida por um preço tão alto. A gente procura alternativas.”
O aperto das margens de lucro foi outro reflexo da pressão de custos para empresários do setor, aponta Aldo Macri, vice-presidente do Sindilojas-SP, que representa em torno de 30 mil lojistas na capital paulista.
“O comerciante precisa ter jogo de cintura. Tem de analisar muito os custos. Aprendemos isso na pandemia”, afirma.
Segundo Edmundo Lima, diretor-executivo da Abvtex (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), redes de lojas vêm ampliando negociações com a cadeia produtiva e estão buscando ganhos de eficiência para tentar mitigar os efeitos da carestia. A Abvtex representa nomes de peso no varejo de moda no país.
“Tivemos escassez de aviamentos, altas nas tarifas de energia. Isso foi produzindo uma pressão ao longo da cadeia produtiva”, avalia.
“Os varejistas têm feito negociações com a cadeia produtiva, assumiram também essa pressão dos preços, mas não houve como não repassar uma parte dos aumentos”, completa.
Na visão de Fabio Bentes, da CNC, a inflação de vestuário até deve perder força ao longo do segundo semestre, em um ambiente de juros mais altos. Contudo, essa desaceleração tende a ser lenta, diz o economista.
“Não tem mais tanto espaço para avanço da inflação de vestuário. Ela deve murchar, mas o processo é lento.”