Maria José Rocha Lima*
Eu e minha irmã Sueli, que se encontra do outro lado do Atlântico, lembramos em comunicação remota os velhos carnavais da Bahia. As nossas primeiras lembranças foram do Bloco Come Lixo, o segundo mais antigo do Carnaval de Salvador, fundado em 1953. Saía do bairro da Saúde e subia a Rua do Alvo, onde ficava a casa dos nossos queridos padrinho e madrinhas.
O meu pai, Hugo Lima (in memoriam), passava bem cedo na casa do padrinho de Sueli, Hérmógenes Xisto Lima, primo da minha mãe, para deixar, como de costume, os lança-perfumes, aquelas cápsulas lindas douradas das quais espargíamos um spray com cheiro inebriante. Os foliões momescos adoravam e agradeciam.
Eu, Sueli e a prima Regininha ficávamos na janela discreta da Casa de nº 76, atirando confetes, serpentinas e lançando spray – aquele cheiro tinha um quê que atraía as pessoas e fixava as nossas memórias. Lançávamos aqueles cheiros deliciosos sobre os mendigos, os lixeiros e pessoas com alegorias e fantasias incomuns, somente vistas décadas e mais décadas depois com Joãozinho 30, no célebre Carnaval do Rio de janeiro.
O Come Lixo mobilizava centenas de foliões e tinha uma banda de instrumentos de sopro maravilhosa. A música, por si, já valia o desfile:
“Sai, sai, sai, Urubu,
Da minha sorte.
O meu dinheiro acabou,
Nenhum brotinho me quer.
Para aumentar minha sina,
Urubu, quando está de azar,
O debaixo belisca o de cima!
*Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutoranda em Educação.Foi deputada estadual de 1991-1999. Preside a Casa da Educação Anísio Teixeira. É dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Educação-ABEPP.