Maria José Rocha Lima*
A pandemia aprofundará largamente a desigualdade escolar. Ontem, no Programa Opinião da TV Cultura, que discutiu os impactos da pandemia na vida escolar, assistimos duas entrevistas com mães de alunas de classe alta e de classe popular.
Enquanto as duas alunas de família de classe alta mantinham uma rigorosa rotina de estudos, acordando às 7h, fazendo o desjejum e em seguida se dirigindo a uma sala de estudos, com dois computadores, e desfrutando do acompanhamento da mãe, duas crianças das classes populares apareciam em frente a uma casa simples, com a mãe carregando um bebê e um celular, queixando-se do baixo sinal do aparelho, que não permitia o acesso às aulas remotas.
A comparação entre crianças foi explícita, e o sentimento de inadequação observado na expressão da mãe da classe popular, também.
Imediatamente pensei numa “tragédia que cai sobre nós”, como na música do grande compositor Milton Nascimento.
Nem precisa ser especialista em educação para saber o quanto a frequência às aulas é importante, especialmente para as crianças e jovens das classes populares, que não dispõem dos recursos humanos, técnicos e tecnológicos necessários à socialização e acesso ao conhecimento. O atraso escolar será inevitável e, em decorrência, o agravamento da evasão e reprovação escolar.
Na escola, faltar às aulas, quase sempre, revela que o aluno não está integrado ao grupo; mostra o não acolhimento e a não identificação. O não domínio dos conteúdos do núcleo comum de conhecimento, exigido para aquela classe ou faixa etária, provoca a evasão.
Não aprender causa muito sofrimento e revolta; sentimento de inadequação, por expor o aluno que não está aprendendo a situações vexatórias. Isso explica a evasão escolar. Há também outras formas de manifestação do aluno que não aprende, como a rebeldia.
Entendemos que a frequência é um imperativo para a interação social e enfrentamento da evasão, porque cria vínculos sociais entre os alunos entre si e entre esses e o professor. São as oportunidades de trabalho em grupo; de atividades culturais; de merenda, que se realizada em comunhão tem caráter socializador e auxilia no enfrentamento dos medos e busca do sentido individual para aprender.
É do reconhecido escritor italiano Humberto Eco a afirmação lapidar sobre a necessidade da convivência social para a aprendizagem: “é o outro, é seu olhar, que nos define e nos forma”. É por meio “da palavra alheia” que o ser humano aprende a representar o mundo e a refletir sobre ele. O diálogo permite que a pessoa se concentre sobre si próprio, refletindo, confrontando ideias e concepções e, consequentemente, alcance o conhecimento e o autoconhecimento.
O pedagogo e pensador Lev Vygostki afirma que existe uma capacidade de desempenhar tarefas de maneira independente, que ele chama de Desenvolvimento Real de uma pessoa, ou seja, os conhecimentos já adquiridos, as funções já consolidadas no sujeito da aprendizagem. E existe um nível de desenvolvimento que ele denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal, que diz respeito à pessoa que é capaz de desempenhar uma ação apenas com a ajuda dos outros, ou seja, as funções que ainda estão em processo no sujeito, que existem em potência, mas ainda não emergiram.
Embora seja inegável o caráter emancipatório que guarda o uso da internet, no âmbito da educação, se isso não ocorrer com a igualdade do acesso, corremos o risco da criação de novos superhomens, contra uma legião de pobres destituídos da condição de sobrevivência e inúteis.
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação.Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista, filiada à ABEPP.