*Frutuoso Chaves
Quem passou dos 50 ou 60 lembra, certamente, de uma das brincadeiras infantis mais requeridas: aquela feita com maços de cigarros vazios e abertos, cuidadosamente, a fim de serem usados como se fossem dinheiro. Jogava-se fora o papel de alumínio e o transparente. Em seguida, desmanchava-se o maço, pouco a pouco, pelas bordas coladas, estirando-o no sentido do comprimento. Depois, bastava dobrar as laterais sobre a face interna, em cima de cada vinco. Pronto, estava feito o “dinheiro”.
O valor das “cédulas” dependia do custo de cada marca vendida, no mundo real, aos fumantes. Minister, Cônsul, Hollywood e Continental, decrescentemente, superavam em valor as notas de Astória, Gaivota e Clássico, por exemplo.
A brincadeira era uma espécie de ensaio para a vida adulta: aguçava a ostentação e a ganância. Eu, particularmente, nunca fui tão rico e perdulário. Gastava à toa. Também, pudera, detinha minha própria Casa da Moeda: os maços sobrados da venda a granel de cigarros, no bar do meu pai. Bem aquinhoado, eu não fazia questão de perder muito nos jogos de botão, bozó, ou na bola de gude. Ainda bem que, no meu caso, a vida não imitou as artes de menino. Não fiquei rico, mas, em compensação, não me viciei em jogo nenhum.
Muito novo, não tinha idade para fumar nem adquiri o hábito mais tarde. Sempre detestei o cigarro, fosse qual fosse a marca, embora os estímulos não faltassem. Nem os internos (meu velho, também dono de padaria, acordava às 5 da manhã já com um cigarro no bico), nem os externos (caubóis, atletas e gente bem sucedida). Ainda não se fazia uso do termo, mas fumar, àquela época, era algo politicamente correto, para honra e glória da Sousa Cruz. E se ele, ou ela, adotasse piteira, expunha-se ao olhar do mundo como símbolo de grande elegância e distinção.
Eu e minhas manias de Jeca… O que ainda me despertava algum interesse, neste quesito, era o cigarro feito à mão. Os fregueses mais pobres compravam os ingredientes em separado: um pedaço de fumo de rolo, preto como a consciência de Judas, e o papel Colomy, na bodega de Seu Raimundo. Com uma faquinha amolada, picavam um pouquinho e já enrolavam aquele tico numa folhinha do papel, com as mãos no ar, sem apoio algum. Depois, bastavam passar a língua na borda solta e o cuspe segurava tudo. Coisa de mágicos. “É para espantar mosquito”, diziam alguns. Mosquito e, também, a mim, que dava por encerrada a minha contemplação. Quando um isqueiro, a gasolina, feito com ampola de lança perfume, punha fogo, aquilo fedia como mil e seiscentos diabos.
Eis, porém, que isso tudo agora me vem à mente com a dor das grandes perdas. Assalta-me, agora mesmo, um desejo desmedido da volta ao passado, aos cuidados paternos e à vida sem preocupações. Aquele menino de onze anos e de passos rápidos e firmes ultrapassou e se fez seguir por este septuagenário lento e trôpego. A velhice é espantosa. Como é que pode? Fazer a gente sentir saudade do papel Colomy.
*Frutuoso Chaves é Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).