*Frutuoso Chaves
Ninguém, por qualquer meio, seria capaz de me fazer ficar sozinho na Igreja comandada, naqueles dias, pelo Padre Gomes. Culpa de Batista, o amigo mais velho de quem todos os meninos admiravam a coragem. Ainda frangote, com os primeiros pelos na cara, o moço atravessava as noites, do sábado para o domingo, em busca de um bom forró, nos sítios e grotões. Na verdade, de qualquer forró, dos ruins, também. Não se dava, nesse campo, a luxo nenhum.
De volta, o Sol ainda escondido, passava no beco do Cemitério e, encontrasse o portão aberto, deitava-se sobre uma lápide, fazia da camisa travesseiro e dormia o sono dos justos. Pois bem, a tal ponto destemido, esse camarada fugia da Igreja, quando vazia, como o diabo da cruz. “No Cemitério, ainda durmo. Na Igreja, não há quem me faça”… Quantas vezes não o ouvimos dizer isso.
Pronto: nada me aguçava tanto e tão bem o medo daquele ambiente sagrado quanto esse depoimento. Haveria, por ventura, alguém tão abalizado nesses assuntos quanto um sujeito capaz de deitar com os mortos? Se ele afrouxava perto do púlpito de onde Padre Gomes passava suas descomposturas aos pobres pecadores da cidadezinha, imagine eu.
Mesmo em dias claros, com movimentação no local, eu evitava certas áreas da Igreja consagrada à Nossa Senhora Del Pilar, assim mesmo, espanholada, da forma como fora a imagem até ali conduzida pelo jesuíta Frei Francisco de Modena, nos primórdios do vilarejo.
Não gostava, particularmente, do altar sob cuja mesa alguém dispôs, numa caixa envidraçada, um Senhor Morto com a expressão mais angustiada e sofrida que já vi em toda minha vida. Não sei se definitivamente morto, posto que tinha os olhos abertos. A boca, também. Sangue brotavam de muitas feridas e, não menos, da testa perfurada por espinhos.
Todavia, longe dali, eu readquiria, além da coragem, um sentimento individual de compaixão que não supunha capaz de caber em coração ainda tão pequeno. Uns frouxos aqueles discípulos. E Pedro, hein? Negar três vezes aquela amizade, mesmo depois de afirmar que assim não o faria? Fosse comigo, mesmo pequeno, cobriria tudo o quanto fosse soldado romano no bodoque.
Posso ser sincero? Pois bem, eu não gostava, mesmo, da Semana Santa, assim tida e havida. Aqueles santos cobertos, os lamentos de cada Estação ao longo da Via Sacra me agoniavam. Também, assim, dias inteiros sem bola e com jejum até não mais poder. Quando posta a comida à mesa, era um sem fim de pratos à base de coco, tempero do qual nem sequer o feijão nosso de cada dia escapava.
E os pedintes à porta? “Um jejum para minha mãe jejuar”. Não estariam a pedir o contrário? Um desjejum para a mãe, ou quem quer que fosse? Eu ansiava, então, pelo Sábado de Aleluia, ocasião para todos os desagravos e o merecido castigo de Judas.
O da minha infância vinha com chapéu, paletó e gravata, coisas, certamente, sobradas de algum defunto ou, quem sabe, de alguém que se fez mais próspero e gordo a ponto de não mais caber nas velhas vestimentas. Não havia quem ganhasse do moleque Escurinho na escalada ao pau de cebo para a derrubada do boneco feito, em panos, no tamanho de gente de carne e osso. Ah, os paus de sebo… Mas essa é outra história.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).