Arnaldo Niskier*
No total das palavras em uso, na língua portuguesa, menos de 3% foram afetadas pela simplificação proposta pelo Acordo Ortográfico. Um número na verdade insignificante, se considerarmos a globalidade do mundo lusófono. Escrevendo de uma só forma, mas pronunciando cada um a seu modo, poderemos manter a organicidade do nosso rico idioma, hoje submetido a convulsões.
A história do Marechal Charles De Gaulle tornou-se clássica. Num dado momento, lançou a dúvida: “O Brasil é um país sério?” Muitos de nós ficamos chocados. Isso feriu o orgulho nacional. Agora, a frase voltou à tona, a propósito da decisão do Governo de adiar para 2016 a entrada em vigor do decreto assinado em agosto de 2008, pelo presidente Lula, a propósito do Acordo Ortográfico de Unificaç ão da Língua Portuguesa. Mais três anos, para nada.
Houve uma adesão quase unânime do lado brasileiro. Os nossos irmãos portugueses e algumas nações luso-africanas, como Angola e Moçambique, por interesses variados, resistiram à adoção, que tem por finalidade essencial a simplificação da escrita do nosso idioma. Nada mais do que isso. E com um claro objetivo estratégico: postular assim a oficialização do português como língua de trabalho da ON U, o que eleva o nosso status internacional.
Também aqui há os recalcitrantes, que só agora se manifestam. Silenciaram em 1990, quando o Acordo foi assinado, e em 2008, quando se estabeleceu o prazo fatal para a unificação pretendida. Somos obrigados a ler até alguns absurdos, como o comentário de que isso se fez de forma burocrática, sem audiências públicas, ou por “reformadores de plantão”. Aqui uma clara agressão à memória de um dos grandes brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, como é o caso do acadêmico Antonio Houaiss. Antes de ser cassado, por motivos políticos, dedicou parte ponderável da sua vida, como filólogo consagrado, à discussão interna e externa dessa problemática. Só colheu aplausos.
O Brasil aderiu com entusiasmo ao Acordo. Livros, jornais e revistas passaram a ser escritos com as novas normas. Centenas de concursos públicos, como é o caso do Enem (4 milhões de jovens), foram realizados com essa marca, aparentemente irreversível. São quase 200 milhões de brasileiros que hoje escrevem de forma simplificada. Mudar esse quadro não foi desrespeitoso?
*Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira de Letras.