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Maria José Rocha Lima[1]
A cantora Cynara de Sá Leite Faria, a Cynara do Quarteto em Cy, faleceu nesta terça-feira (11/04) no Rio de Janeiro, aos 78 anos, vítima de pneumonia. O Quarteto em Cy foi um dos grupos vocais mais importantes da música popular brasileira, formado em 1964 pelas irmãs Cynara, Cyva, Cybele e Cylene. O grupo musical emitiu uma nota de pesar lamentando a partida da artista: “Foi uma jornada musical incrível, muitos projetos, principalmente, pela família, que foi algo sagrado pra ela”.
Cynara foi cantora, arranjadora e compositora. Ela se casou com Ruy Faria, integrante do grupo MPB4, deixa três filhos – João, Irene e Francisco -, quatro netos e duas irmãs em Cy (Cyva e Cylene).
Juntas as irmãs fundaram o Quarteto em Cy e iniciaram uma longa trajetória musical. Com o apoio do cantor e compositor Vinicius de Moraes, elas começaram a interpretar grandes compositores do cenário nacional e eram carinhosamente apelidadas de “baianinhas.” Junto com Cybele, Cynara interpretou “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, no histórico Festival Internacional da Canção de 1968, no Maracanãzinho.
O Quarteto em Cy teve a sua iniciação artística na Hora da Criança, fundada em 25 de julho de 1943 como um “movimento educacional e cultural”. As lendárias baianas, nascidas em Ibirataia, foram jovens para o Rio de Janeiro com o desejo e o sonho de uma carreira musical. “Éramos as quatro irmãs grudadas na mãe, e cheias de sonhos, quase todos realizados, e garanto que não foi por pura sorte. Tenho orgulho do nosso talento nato”, escreveu ela.
Ao longo do tempo, o grupo passou por mudanças na formação. Essa é a segunda perda entre as irmãs fundadoras do Quarteto em Cy. Em 2014, morreu Cybele, aos 74 anos. O grupo lançou os álbuns “Quarteto em Cy” e “Afro-sambas com Vinicius de Moraes e Baden Powell”, em 1964 e 65. Em 1966, Cylene foi substituída por Regina Werneck e o conjunto foi para os Estados Unidos, onde gravaram LPs, fizeram shows e apresentações em programas de tevê com o nome de Girls From Bahia. Em 1972, o Quarteto em Cy voltou à ativa com Cyva, Cynara, Sonia e Dorinha Tapajós. Cybele juntou-se ao grupo de novo em 1980. Em 2013, quando se afastou definitivamente, foi substituída pela cantora Keyla Fogaça.
Recentemente, ela gravou áudio original para relembrar o início da carreira. A professora Josélia dos Santos (Joca), sucessora de Adroaldo Ribeiro Costa na Presidência da Hora da Criança, e o superintendente Mateus Russo me enviaram o áudio de Cynara contando como tudo começou.
“Na Bahia, é uma coisa totalmente diferente que acontece hoje na carreira da gente, as músicas eram folclóricas, eram músicas infantis. O quarteto inicial eram quatro irmãs, Cynara, Cyva, Cybele e Cylene. A gente frequentou uma organização que hoje seria como se fosse uma ONG, mas era uma organização sem fins lucrativos, não recebia dinheiro de lugar algum, não era patrocinada por ninguém, era uma coisa espetacular chamada A HORA DA CRIANÇA, do professor Adroaldo Ribeiro Costa, que era um professor de História, ele e o maestro Agenor Gomes, parente do Dias Gomes, fizeram essa organização, inclusive e a gente frequentava essa organização que era assim fazer arte, educar através da arte. Eram crianças com turmas diferentes, turma A, turma B, turma C; até mais ou menos adolescentes e até os 25 anos, no máximo. E a gente frequentou isso, então eram aulas de balé, de música, de teatro. Então isso deu parâmetro pro quarteto, porque eram quatro irmãs que frequentavam tinha rádio, Radio Sociedade da Bahia, tinha um programa que ele, professor Adroaldo Ribeiro Costa, promovia todo domingo às 10h da manhã, e a gente fazia lá o rádio-teatro e nos teatros propriamente fazíamos peças de Monteiro Lobato e encenávamos também peças do próprio Adroaldo. Então nessa coisa a gente viveu e conviveu com a arte em tempo integral, estudávamos no próprio Instituto Normal da Bahia, no Colégio Severino Vieira e no Colégio Central Estadual, onde estudei também, e tudo escola pública que era uma coisa maravilhosa. O que eu tenho de conhecimento é daquela época, eu acho que os cursos que eu frequentei, a escola que nós quatro irmãs frequentávamos equivalem à faculdade de hoje, porque o ensino era completo, eram sensacionais, os professores tinham uma coisa assim de ensinar a matéria, você não saía de lá sem saber a matéria, você saía das escolas sabendo. Tinha uma coisa lá chamada segunda época. Quem não aprendia fazia porque ficava em uma matéria e duas e tal, fazia a segunda época e tinha que passar, senão perdia o ano, então não tem esse negócio de passar a mão na cabeça de aluno e porque pagou isso ou pagou aquilo aluno não pode perder ano, que isso? Aluno tem que perder ano até aprender, então era uma coisa assim do ensino pelo ensino, conhecimento pelo conhecimento. A escola não educava, a escola dava conhecimento, hoje ficam querendo que a escola eduque o filho, não é pra educar, quem educa é pai e mãe, entende? Pra mim, minha ideologia é essa, por isso eu sou contra uma porrada de coisa que se faz hoje em dia, tudo começa pela educação, e esse Brasil da gente não tem educação. Tudo começa com a educação. A educação que a gente teve através da arte é a mais rica, porque você aprende brincando e tá aprendendo: tinha aula de canto, balé, dança, canto orfeônico, de tudo. Então a gente estudava a música de Vila Lobos, as letras de Vila Lobos, a gente fazia vocal já naquela época, turmas infantis cantavam em grupos, a gente aprendeu a cantar em grupo lá. Por isso a gente tem essa sensação de que grupo não é boi na linha todo mundo pensando igual, é todo mundo absorvendo e assimilando conhecimento e doando pra aquilo que a gente queria no caso, que era fazer arte de uma maneira geral. Então acho que a gente deve muito a esse movimento de Arte Educação que é a Hora da Criança”.
1] Maria José Rocha Lima é mestre em educação pela UFBA e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. É da Organization Soroptimist International Região Brasil e SI Brasília Sudoeste. Sócia Benemérita da Hora da Criança.