Miguel Lucena
Questionado por um correligionário sobre as denúncias que ocupavam as páginas da Imprensa, o político deu um passo atrás, estufou a caixa dos peitos e devolveu a pergunta:
– Você não confia em mim?
O argumento é o mesmo usado pelo marido ou pela mulher flagrados em adultério por um detetive particular, com filmagem e tudo:
-Você não acredita em mim?
Quando um político conhecido meu começou a se enrolar em negócios nebulosos e acumular riquezas não justificadas pelos rendimentos auferidos, uma jornalista amiga disse não acreditar no que estavam falando: “Eu não acredito em nada disso. Confio plenamente em fulano”!
Acreditar ou não é uma questão de fé. Felizmente, ao longo de anos como jornalista e delegado, aprendi a apurar os fatos, sem prejulgar ninguém ou acreditar em versões. Pode mentir à vontade na minha frente que eu não mudo de cor nem arregalo os olhos. Ao final, valem os fatos comprovados.
Muita gente faz da política uma religião ou se envolve como torcida organizada: “Ladrão é o seu candidato”!
Dependendo da ideologia ou da corrente política abraçada, o fiel só verá defeitos nos outros. Quem exerce a mínima crítica, seja à esquerda ou à direita, passa a ser visto com desconfiança. “Esse aí está ficando falso à bandeira”, comenta o mexeriqueiro. “Falar isso é sinal de que está com o outro lado”, completa.
E assim, sem o exercício da crítica e da autocrítica, sem ver os méritos de quem não está em seu agrupamento, o fiel ideológico cria uma realidade alternativa, evita leituras ou programas televisivos que questionem sua fé e passa a enxergar na cegueira coletiva a revolução ou o golpe de estado.