Medida tem como pano de fundo ação penal sobre a trama golpista em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu. Relação entre governo brasileiro e americano passa por momento delicado em vias da entrada em vigor do tarifaço.

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Os governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sancionou nesta quarta-feira (30) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com a Lei Magnisky, utilizada para punir estrangeiros.
A decisão foi publicada pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro norte-americano e remonta uma escalada de tensão entre os governos americano e brasileiro, que tem como pano de fundo a ação penal sobre a trama golpista em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu.
Segundo o governo americano, todos os eventuais bens de Alexandre de Moraes nos EUA estão bloqueados, assim como qualquer empresa que esteja ligada a ele.
O ministro também não pode realizar transações com cidadãos e empresas dos EUA — usando cartões de crédito de bandeira americana, por exemplo.
Caça às bruxas
O Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, mencionou diretamente uma suposta caça às bruxas a Bolsonaro por parte do ministro.
“Alexandre de Moraes assumiu para si o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos Estados Unidos e do Brasil”, disse Bessent.
“Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos judicializados com motivação política — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará responsabilizando aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos”, prosseguiu o secretário, em comunicado.
No início da noite de 18 de julho, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou a revogação de vistos dos EUA de ministros do STF e seus parentes, citando Moraes nominalmente. Para justificar a medida, Rubio citou o processo envolvendo o ex-presidente brasileiro.
Nesse mesmo dia, pela manhã, por determinação do STF, Bolsonaro foi alvo de uma operação da Polícia Federal. Na ocasião, foram aplicadas medidas cautelares ao ex-presidente como:
- uso de tornozeleira eletrônica;
- proibição de usar redes sociais;
- proibição de se aproximar de embaixadas;
- proibição de conversar com outros réus investigados pela Corte;
- recolhimento noturno.
Em 21 de julho, Moraes reforçou a proibição de uso das redes sociais e alertou que Bolsonaro poderia ser preso pelo descumprimento das medidas cautelares, mas após explicações da defesa do ex-presidente, o ministro afastou a possibilidade de prisão preventiva.
O termo caça às bruxas também foi usado por Trump para justificar a aplicação de tarifas de 50% a produtos brasileiros — prevista para entrar em vigor nesta sexta (1º).
Em uma carta endereçada a Lula em 9 de julho, o presidente americano afirmou ser “uma vergonha internacional” o julgamento do ex-presidente no Supremo Tribunal Federal (STF), do qual Bolsonaro é réu na chamada trama golpista.
Segundo reportagem do jornal The Washington Post publicada no dia 17 de julho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) estava trabalhando com membros do governo de Donald Trump para impor sanções contra Moraes.
Duas autoridades ligadas ao governo dos Estados Unidos disseram ao Post que viram uma minuta da proposta de sanções circulando nas últimas semanas. Elas adiantaram que o plano seria baseado na Lei Magnitsky.
Sob condição de anonimato, um funcionário afirmou ao Post que a medida prejudicaria a credibilidade dos EUA na promoção da democracia, já que o país estaria sancionando um juiz de uma Suprema Corte estrangeira apenas por discordar das decisões que ele toma.
Entenda a lei Magnitsky
A Lei Magnitsky permite que os Estados Unidos imponham sanções a cidadãos estrangeiros. O objetivo é punir pessoas acusadas de violações graves de direitos humanos ou de corrupção em larga escala.
- A legislação foi criada em homenagem ao advogado russo Sergei Magnitsky, que morreu na prisão após denunciar um esquema de desvio de dinheiro por membros do governo da Rússia.
- O texto foi aprovado pelo Congresso americano e sancionado pelo então presidente Barack Obama em 2012.
- Inicialmente, a proposta visava punir oligarcas e autoridades russas envolvidas na morte do advogado.
- Em 2016, houve o entendimento de que a lei poderia ser usada também em outros casos de corrupção, vínculos com o crime organizado e violações mais amplas de direitos humanos.
- No mesmo ano, a legislação foi ampliada e passou a ser considerada de alcance global.
- Desde então, dezenas de pessoas já foram alvo de sanções com base na Lei Magnitsky.
Projeto na Câmara
Atualmente, tramita na Câmara dos Estados Unidos um projeto de lei que prevê a proibição de entrada ou deportação de qualquer pessoa considerada um “agente estrangeiro” que tente censurar cidadãos americanos em território nacional.
A proposta foi apresentada pelos deputados republicanos Maria Elvira Salazar e Darrell Issa e não menciona diretamente Alexandre de Moraes. No entanto, ao anunciar o projeto em setembro de 2024, Issa afirmou que se tratava de uma resposta às decisões do STF no Brasil.
O texto, intitulado “Sem Censores em Nosso Território”, foi aprovado pelo Comitê Judiciário da Câmara em fevereiro deste ano — órgão equivalente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados no Brasil.
Dias após a aprovação do texto no comitê, Moraes reagiu à ofensiva norte-americana e afirmou que o Brasil deixou de ser uma colônia em 1822.
“Pela soberania do Brasil, pela independência do Poder Judiciário e pela cidadania de todos os brasileiros e brasileiras. Pois deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822 e, com coragem, estamos construindo uma República independente e cada vez melhor, independente e democrática. E construindo com coragem. Como sempre lembra a eminente ministra Cármen Lúcia, citando Guimarães Rosa: ‘O que a vida quer da gente é coragem’”, disse.
O projeto ainda não foi votado no plenário da Câmara e não está em vigor. Não há data prevista para a votação.