Maria José Rocha Lima[1]
Vantagem
Nascer no Brasil – oportunidade de, com lisura, fazer tudo que o pudor censura. (Pedro Tayar, 2018, p.109)
Que felicidade receber o livro Poemetos, de Pedro Tayar! O jovem poeta é da carreira diplomática brasileira, lançou a obra em Frankfurt, em 2018. Para mim, uma rara oportunidade de abordar a frágil democracia brasileira, que tanto nos entristece, de uma forma poética e melancólica, como nos enternece. E como todo artista da palavra nos faz rir para não chorar!
Nos Poemetos, a exemplo do intitulado Vantagem, com razão e elegância, o poeta nos comunica coisas duras, tristes, cáusticas, sobre a Pátria Amada Brasil!
Tayar aborda os desafios da vida, também os aspectos sutis que cercam a existência, os problemas universais contemporâneos e os problemas do Brasil, em linguagem elegante, leve, lírica, diplomática, mas com uma dose bem medida de mordacidade e pessimismo.
Em vez de o título da obra ser Poemetos, como quiseram a exigência e a inteligência diplomática de Pedro, deveria ser “Poemaços”, mas preferiu o diminutivo, que é uma maneira ao mesmo tempo afetuosa e precavida de usar a linguagem. Poemetos é uma forma sublime e afetuosa, porque geralmente usamos o diminutivo para designar o que é agradável, aquelas coisas afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. Numa linguagem precavida, porque também a usamos para desarmar certas palavras que, na sua forma original, são ameaçadoras demais.
Eu adorei toda a obra, mas aqui destacarei as questões dessa tal “democracia, que é uma palavra vã, usada para justificar a farsa triste de um sufrágio universal irrisório”, como dizia Anísio Teixeira.
Venho insistindo na discussão de democracia a partir da perspectiva do psicanalista inglês Donald Winnicott, que entende que, se a proporção de indivíduos maduros se encontra abaixo de um certo número, a democracia não poderá se tomar um fato político, na medida em que os assuntos da comunidade receberão a influência de seus membros menos maduros, aqueles que, por identificação com a comunidade, perdem a sua individualidade, ou aqueles que jamais alcançarão mais do que a atitude do indivíduo dependente da sociedade.
Vejam que forma genial de discutir a tal democracia e atraso civilizatório no Poemeto de Pedro Tayar (2018, p.81)ilusão: Ignóbeis crenças coevas, as que deixamos a Idade das Trevas. E ainda noutro (p.77), Apego: Não há maior aleivosia do que o idílio besta à palavra democracia.
E apenas para deixá-los com vontade de quero mais, escolhi o poema intitulado Falatório: Balela atrás de balela, fala-se pelas tabelas na pátria de tagarelas.
E destaquei alguns versos do Poemeto(p.89) internet: Somente o adulto amadurecido/ consegue separar o joio do trigo/no fogo cruzado da manipulação./ Rede mundial, vero submundo, retrato do paroxismo imundo/do fosso moral da civilização”.
E para me provocar o poeta Pedro publicou o Poemeto(p.33) Conversinha: Malandro, baiano se achegou: -Brotinho delícia vizinha, que faço pra você cair na minha? –Sei que o teu marido já t’engalhou…
Controlei-me ao lê-lo falando mal de baiano. Pedro deve esperar que eu o cancele, como fazem os “Selva selvaggia do mundo digital”.
Mas, como “brasileirinha cordial”, me fiz de madura e ainda dei razão ao poeta, que como Winnicott entende que só há democracia em comunidades com um número proporcionalmente notável de pessoas maduras!
[1] MARIA JOSÉ ROCHA LIMA é mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia, doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. E presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora administrativa da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. E Soroptimist International –SI- Brasília Sudoeste.