Silveira toma posse como integrante da Comissão de Constituição e Justiça e como vice-presidente da Comissão de Segurança Pública
(crédito: EVARISTO SA/AFP)
Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a oito anos e nove meses de prisão, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) foi eleito titular em duas comissões da Câmara. Réu por estimular atos antidemocráticos e ameaças a ministros da Corte e a instituições, ele integrará a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e assumiu como vice-presidente da Comissão de Segurança Pública.
Silveira recebeu indulto do presidente Jair Bolsonaro (PL), na semana passada, e, desde então, vem sendo pivô de mais uma crise entre o Executivo e o Judiciário.
A posse nos colegiados ocorreu ontem. Silveira havia sido indicado pelo partido para ocupar vagas em cinco comissões: as outras foram Cultura, Educação e Esporte.
Na CCJ, Silveira poderá participar de votações sobre perda de mandato, inclusive o dele. Segundo a Câmara, a única forma de o parlamentar não deliberar é se ele declarar suspeição e se abster.
Um dos colegiados mais importantes da Casa, a CCJ tem a função de analisar os aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de todos os projetos que passam pela Câmara, assim como de emendas ou substitutivos.
Já a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, criada em 2002, por recomendação da CPI do Narcotráfico, tem como objetivos prevenção, fiscalização e combate ao tráfico de drogas, contrabando e crime organizado, entre outros.
Isolamento
A decisão do STF de condenar Silveira à prisão e à perda do mandato provocou uma saia-justa com o Congresso. As cúpulas das duas Casas já enfatizaram que é prerrogativa do Parlamento decidir sobre cassação de seus integrantes. Já o ministro Alexandre de Moraes, do STF, relator do caso de Silveira, sustenta que o deputado fica inelegível mesmo com o perdão presidencial.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou, ontem, que as instituições devem ter maturidade para lidar com a crise. “As divergências precisam ser respeitadas, precisam ser dirimidas, e há um ponto comum que nos une, que é a busca da solução dos problemas do Brasil”, frisou, durante coletiva de imprensa.
Para Pacheco, “é lamentável verificar que crises sejam criadas a todo instante, até como cortina de fumaça para os verdadeiros problemas do Brasil”. “Tudo quanto houver de arroubo antidemocrático, que atente contra o Estado de direito, que atente contra a Constituição nós demove repudiar de maneira muito veemente.”
Aplausos
Na tarde de ontem, Silveira esteve no Palácio do Planalto, onde participou do evento “Liberdade de expressão” (leia ao lado), que reuniu parlamentares ligados ao governo. Ele desceu a rampa presidencial antes de Bolsonaro, sob aplaudos.
O deputado tem desafiado as decisões da Justiça ao aparecer sem tornozeleira eletrônica em eventos públicos e até mesmo para dar expediente no Congresso.
Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal, o equipamento colocado no bolsonarista está descarregado desde 17 de abril. Com isso, não é possível rastreá-lo, como determinou o STF.
Planalto vira palco de críticas
Na solenidade batizada de “Ato Cívico pela Liberdade de Expressão”, o Palácio do Planalto foi transformado em palco de discursos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), a imprensa e a esquerda por parte de parlamentares da base aliada do governo federal e do próprio presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na prática, o evento — organizado pelas bancadas evangélica e da segurança pública — foi um endosso ao perdão concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), em decreto publicado menos de 24 horas após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o parlamentar a oito anos e nove meses de cadeia por ataques à democracia e às instituições.
Além de ser aplaudido na chegada à solenidade, Silveira, nomeado, ontem, para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, foi tietado com pedidos de fotos e vídeos.
Disparos
No total, 22 deputados e um senador discursaram na cerimônia, além do próprio Bolsonaro. O líder da frente parlamentar evangélica, a bancada da Bíblia, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), abriu os trabalhos com um discurso em defesa de Silveira.
“Determinados grupos se acham no direito de sobrepor suas verdades aos demais, não podendo ser contestadas. A liberdade de expressão conferida ao parlamentar está garantida pela Constituição Federal”, declarou.
O deputado Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, a bancada da bala, chamou o evento de “ecumênico”. “Não é para A ou B, é para todo o Brasil”, frisou. Ele também é vice-presidente nacional do PL, partido de Bolsonaro.
Já o vice-líder do governo, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) exibiu um áudio de reportagem da CNN Brasil com a afirmação de que Silveira divulga fake news e defende golpe de Estado. Em seguida, criticou a imprensa. “Se eu me sentir ofendido, eu processo. Mas eu não tenho como mandar prender os jornalistas da CNN”, declarou, arrancando aplausos da plateia bolsonaristas. O deputado João Carlos Gurgel (PL-RJ) pediu uma reforma do Poder Judiciário.
Processos contra seis deputados
Na retomada dos trabalhos após cinco meses parado, o Conselho de Ética da Câmara instaurou sete processos contra seis deputados por quebra de decoro parlamentar.
Serão apuradas as condutas dos deputados Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP); Éder Mauro (PL-PA), Wilson Santiago (Republicanos-SP) e Soraya Manato (PTB-ES). O colegiado também definiu as listas de parlamentares que podem assumir a relatoria dos casos.
Procurado pela reportagem, Éder Mauro disse que “fica feliz” em ter representação do PT e PSol no Conselho de Ética. “É sinal de que estou no caminho certo”, frisou.
Pelo Twitter, Eduardo Bolsonaro ironizou: “A avaliação é de que, assim como os partidos de esquerda fazem na guerra de narrativas, o PL agora também acione o conselho por falas de deputados esquerdistas nas redes”, escreveu.
A assessoria de imprensa de Wilson Santiago afirmou que não vai se manifestar. Até o fechamento desta edição, os demais parlamentares não responderam às tentativas de contato do Correio.
Além das representações já pautadas estão liberados para apuração o pedido de cassação contra Kim Kataguiri (União Brasil-SP), por declarações consideradas de cunho nazista, e contra Josimar Maranhãozinho (PL-MA), acusado de desviar dinheiro de emendas.