domingo, 08/06/25
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Centralia: a cidade que está em chamas há 60 anos, seguirá queimando por décadas e inspirou filme de terror

Em 1962, um incêndio subterrâneo se espalhou por minas de carvão e condenou a cidade do leste dos EUA. Dos mais de 1.200 moradores que viviam no local, apenas cinco permanecem.

Imagem mostra o antes e o depois da cidade de Centralia, nos Estados Unidos — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

 

Era véspera do feriado do Memorial Day na pequena cidade de Centralia, a 180 km da Filadélfia, nos Estados Unidos. Dezenas de famílias se preparavam para visitar o cemitério local e homenagear soldados americanos mortos em combate, uma tradição local. Mas havia um problema: o mau cheiro de um lixão vizinho.

Foi então que funcionários públicos decidiram queimar uma pilha de lixono aterro para evitar que o fedor atrapalhasse a homenagem. Ninguém esperava que aquela chama daria início a um incêndio subterrâneo que já dura mais de 60 anos — e transformaria Centralia em uma cidade-fantasma.

A região ficou conhecida por suas minas de carvão. A extração mineral começou em 1842 e fez Centralia crescer aos poucos. Na década de 1960, cerca de 1.200 pessoas viviam na cidade, em uma comunidade pequena e pacata.

Tudo começou a mudar em 1962. O fogo, iniciado para “limpar” a área antes das homenagens do Memorial Day — comemorado sempre na última segunda-feira de maio —, por si só não seria capaz de causar um desastre. Mas havia uma mina de carvão abandonada abaixo do lixão, que foi atingida pelas chamas. Isso foi o suficiente para deflagrar um desastre subterrâneo jamais controlado.

Com o tempo, o fogo foi avançando pelos túneis das minas de carvão, lançando gases tóxicos, abrindo crateras e tornando a área cada vez mais instável. Centralia acabou condenada ao abandono.

  • 📉 A população caiu de 1.200 para apenas 5 pessoas.
  • 💸 O governo gastou mais de US$ 40 milhões para combater o incêndio e realocar os moradores.
  • 😔 O solo rachou em diversos pontos e chegou a engolir um garoto em 1981 — ele foi salvo pelo primo, mas sofreu com traumas ao longo da vida.
  • 🔥 O fogo continua ativo até hoje e pode queimar por mais de 200 anos, segundo estimativas.
  • 🌡️ A temperatura no subsolo de Centralia pode ultrapassar os 500 °C.
  • 😱 A história inspirou o filme de terror “Silent Hill”, adaptação para o cinema de um videogame com o mesmo nome. O longa mostra uma cidade coberta por névoa e presa em uma realidade paralela após um incêndio em uma mina de carvão.

 

Conheça a história de Centralia mais abaixo.

Do feriado ao caos

A queima do lixo para acabar com o mau cheiro e não atrapalhar o Memorial Day é a hipótese mais provável para o desastre de Centralia, segundo o governo da Pensilvânia. A mina que estava abaixo do local havia sido abandonada em 1935 e, provavelmente, não havia sido vedada corretamente.

O jornalista David DeKok, autor de dois livros sobre a história de Centralia, explica que o aterro estava sobre um antigo poço de mineração a céu aberto.

“O problema era que, como muitos poços de mineração a céu aberto, havia buracos que iam para a rede de minas abandonadas sob a cidade. E então, quando eles atearam fogo ao lixo, por acidente, ele se espalhou por um desses buracos para a rede de minas abandonadas”, afirma.

“Em poucos dias, havia vapor branco saindo das laterais daquele poço. E eles estavam praticamente certos de que um incêndio na mina havia começado. Claro, eles não tinham ideia do tamanho que se tornaria ou da dificuldade que seria para apagar.”

 

O efeito foi devastador. O fogo avançou sobre o carvão e se espalhou rapidamente no subsolo de Centralia. A partir daí, teve início uma manobra milionária — e que fracassou — para conter o incêndio.

Operação milionária

 

Autoridades americanas iniciaram uma operação para tentar controlar as chamas. Segundo o governo da Pensilvânia, num primeiro momento, os brigadistas tentaram usar água e até mesmo argila para sufocar o fogo. Não funcionou.

Em novos esforços, o governo passou a fazer escavações para isolar o incêndio, além de preencher os túneis com materiais como areia e rocha britada. Também não funcionou.

DeKok afirma que as autoridades não previram o quão caro seria apagar o fogo, o que se tornou um grande problema. As operações para extinguir as chamas foram interrompidas várias vezes por falta de recursos.

“Eles começavam o trabalho, começavam a escavar para conter o fogo, mas ficavam sem dinheiro e precisavam parar. E então eles voltavam cerca de um ano depois. Mas, nesse ponto, o incêndio estava ainda maior. Tornou-se uma situação impossível”, explica.

 

Em pouco mais de 15 anos, os governos estadual e federal gastaram US$ 3,3 milhões para controlar o incêndio. A administração da Pensilvânia admite que os efeitos foram limitados.

“O que tornou o incêndio tão difícil de controlar foi a geologia subterrânea de Centralia. Você tem que pensar nas veias das minas de carvão. Elas meio que sobem e descem. São como tigelas empilhadas umas sobre as outras”, diz DeKok.

Imagem mostra fumaça saindo do chão durante incêndio subterrâneo em Centralia — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

Imagem mostra fumaça saindo do chão durante incêndio subterrâneo em Centralia — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

Escalada do perigo

Em 1969, famílias que moravam em três casas precisaram abandonar seus lares. Segundo DeKok, gases tóxicos começaram a invadir as residências, tornando a permanência no local perigosa.

 

Mais tarde, já adulto, a vítima passou a se envolver com o uso de opióides e morreu aos 51 anos — provavelmente por complicações causadas pelo uso prolongado das drogas, segundo DeKok.

“Eu tenho quase certeza de que há, sim, alguma ligação entre o uso de drogas e o transtorno de estresse pós-traumático que ele desenvolveu — e o fato de a vida dele, com o tempo, ter desmoronado. Então, sim, eu atribuiria isso ao acidente”, afirma o jornalista.

Adeus, Centralia

 

Imagem mostra fumaça de incêndio em Centralia, nos EUA — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

Imagem mostra fumaça de incêndio em Centralia, nos EUA — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

Na década de 1980, a permanência em Centralia passou a ser insustentável. Naquela época, o Escritório de Mineração de Superfície estimou em US$ 663 milhões os gastos para acabar com o incêndio, e o governo optou por retirar os moradores da área.

O Congresso dos Estados Unidos aprovou um repasse de US$ 42 milhões para a desapropriação de imóveis prejudicados pelo incêndio e para a realocação de famílias e comércios para outras regiões.

DeKok afirma que as famílias foram assentadas num raio de cerca de 20 km de Centralia, já que muitos queriam continuar com acesso a escolas e hospitais da região. Ainda assim, a saída não foi tranquila.

“A situação ficou bastante tensa por volta de 1982. Dois terços da cidade queriam ser realocados, e um terço era contra. Isso gerou muitos conflitos entre os moradores”, conta.

 

O jornalista afirma que, entre os moradores que não queriam deixar a cidade, estavam aqueles que acreditavam que o fogo não era tão grave quanto as autoridades diziam ou que viviam em áreas consideradas mais seguras.

“Eventualmente, a maior parte do grupo que resistia acabou aceitando a saída, mas com relutância. Foram embora porque todos estavam indo, e porque o valor das indenizações aumentou com o tempo. Foi uma combinação de fatores, mas no fim quase todos deixaram Centralia.”

Atualmente, apenas cinco proprietários continuam morando em Centralia. Os imóveis abandonados foram demolidos, e a cidade passou a ser um amontoado de quadras com ruas vazias.

Legado e impacto cultural

 

A Graffiti Highway, em Centralia — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

A Graffiti Highway, em Centralia — Foto: David DeKok/Centralia Photo Archive

A decadência de Centralia despertou a curiosidade pública e teve impacto até no cinema. Em entrevista ao site francês “Ecranlarge”, o diretor Christophe Gans afirmou que Centralia serviu como referência para o filme de terror “Silent Hill”, lançado em 2006.

Segundo Gans, o roteirista Roger Avary conhecia a história da cidade e resolveu se inspirar no que tinha acontecido para ambientar o filme. Avary, por sua vez, deu várias entrevistas falando sobre o processo de pesquisa e a ligação com Centralia.

O longa é uma adaptação para o cinema de um jogo de videogametambém chamado Silent Hill, lançado no fim da década de 1990. No filme de 2006, a cidade aparece isolada por uma névoa densa e coberta por cinzas que caem do céu, resultado de um grande incêndio em uma mina de carvão.

A trama também mostra Rose, uma mãe que decide levar a filha até a cidade depois que a menina começa a mencionar o local durante episódios de sonambulismo. No caminho, as duas sofrem um acidente e atravessam um portal para a realidade paralela de Silent Hill.

Logo após o acidente, Sharon desaparece misteriosamente, e Rose inicia uma busca desesperada pela cidade, que está repleta de criaturas sobrenaturais.

Já na vida real, um dos grandes símbolos do legado do incêndio em Centralia é a chamada “Graffiti Highway” — ou “Rodovia do Grafite”.

O local é um trecho da Rota 61 que foi interditado após as chamas provocarem rachaduras no asfalto. DeKok diz que o governo tentou manter a estrada transitável por algum tempo, mas acabou desistindo. A região também se tornou perigosa aos motoristas por causa da fumaça que saía do chão.

Anos depois, moradores e visitantes começaram a cobrir o asfalto com grafites coloridos. “Foi como um projeto de arte pública, quase como o Muro de Berlim”, descreve.

 

O jornalista conta que, durante a pandemia de Covid-19, a região voltou a atrair visitantes em busca de espaços abertos em meio ao isolamento. O aumento no fluxo de pessoas fez com que uma empresa que controlava a área colocasse pilhas de terra ao longo da estrada.

“Eles queriam impedir que motocicletas e quadriciclos passassem por ali, mas, na verdade, tornaram aquilo um desafio. Os motociclistas adoram subir e descer montanhas de terra. Mas isso fez com que a maior parte dos grafites fosse coberta”, conta.

Atualmente, DeKok também coordena visitas turísticas a Centralia. Os passeios são realizados apenas em áreas consideradas seguras. Segundo o jornalista, os visitantes ainda conseguem ver partes da cidade e, dependendo do clima, até fumaça saindo do solo. (g1)

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