*Frutuoso Chaves
Sozinho, em casa, onde a pandemia me prende, sou acordado pelo telefone. Falava, na outra ponta da linha, um amigo de quem eu não tinha notícias há um tempão. Conversa demorada, dessas que hoje se travam na promessa de taxa zero comumente feita pelas operadoras de telefonia à distinta clientela.
Como vai fulano? Como vai sicrano? E, lá para as tantas, os indispensáveis pedidos de informação (lá e cá) sobre o paradeiro de uma ou outra namoradinha. Como são injustiçadas as meninas que nos passaram pela vida sem grandes momentos. Aquelas que tivemos ao lado, episodicamente, enquanto desejos maiores não nos empurravam para emoções mais fortes. “O que marca é o que dói”, sentenciava meu amigo.
E, aqui, faço o apelo. Ninguém tome o rumo da conversa como prerrogativa masculina, coisa de machos numa fase da juventude em que os hormônios em ebulição não dispensam a mínima oportunidade. Sem dúvida, eu e você, meu compadre, já fomos, igualmente, passatempo de alguém.
A fim de esclarecer bem as coisas, o tema não trata do “sarro” por uma noite, ou do “ficar” de hoje em dia, na expressão dos nossos filhos e netos. Dizem respeito, isto sim, aos namoros que se repetiam e findavam sem o menor constrangimento. De repente, deixava-se de se ver e pronto.
Este meu amigo esteve comigo nos bancos do Colégio Santa Júlia, na João Pessoa de meados de 1960. Do outro lado, no pátio da Igreja, o Centro Social Padre Hildon Bandeira, nos puxava para o baile dos sábados. Era a época dos Beatles e dos conjuntos de ieieiê, com baterista, contrabaixo e duas guitarras.
Mas gostávamos mesmo era das músicas lentas. De abraçar cinturas e de mãos femininas no pescoço. Antes, porém, ia-se ao banheiro para o descarrego das primeiras cervejas que a vida nos oferecia e, sobretudo, para pôr do lado direito aquilo que geralmente mantínhamos à esquerda. Afinal, a dança, no gênero “cheek to cheek”, nos permitia colar muito mais do que as bochechas.
Uma ruivinha com um tanto de sardas era o par constante deste meu amigo. Risonha, agradável, tinha um belo corpo. O nome dela foi lembrado com alguma dificuldade. Ele, porém, declamou, prontamente, o nome da moreninha que me esperava no salão do Padre Hildon. Pois é… a grama do vizinho é sempre mais verde. Dividíamos, os quatro, o mesmo muro nos intervalos do baile. E frequentávamos outros muros quando levávamos aquelas duas para suas casas, no mesmo bairro, mas em ruas diferentes.
Um doce, a moreninha. Algumas de suas amigas me contaram que ela recusava três ou quatro convites para a dança enquanto eu ali não chegava. Quando às vezes já dançava, pedia para sentar no momento em que me via.
Certa vez, comentei o quanto era saborosa a colônia que usava e nunca mais senti nela outro cheiro. Sobretudo, quando me apresentou aos pais no terraço que frequentei por uns três meses.
Nunca mais soube dela. Essa conversa é que me trouxe, por completo, as velhas lembranças que agora me chegam, juntamente, com as vozes de “Renato e Seus Blue Caps”. E, ainda, com aquela fragrância floral embalada num rótulo que também se perdeu no tempo.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife)