Maria José Rocha Lima
Inimaginável! Idosos e idosas no Japão vêm cometendo pequenos furtos, simplesmente para serem presos e, assim, gozarem de alguma companhia. A solidão tornou-se a característica marcante do século XXI.
Um tremendo paradoxo que, num mundo com tantos recursos tecnológicos, tantas ferramentas que podem manter as pessoas conectadas, ocorra brutal solidão. Só acreditei nos furtos das japonesas idosas porque o vídeo foi compartilhado pela minha amiga de infância Teresinha Medina, uma moça muito criteriosa. E em seguida acessei o trabalho da pesquisadora Norena Hertz, que foi professora em Cambridge, na Universidade de Londres, que lançou o livro The lonely Century – A call to reconnect – O Século da Solidão – Restabeleça as ligações humanas.
Leila Ferreira comenta alguns dos fenômenos da pesquisa, entre esses a impensável prática de furtos realizados por idosas japonesas.
O que mais me impressionou foi uma senhora que tem mais de 80 anos e falou para a pesquisadora que ali tem sempre alguém por perto e ela não se sente sozinha. Outra de 78 anos relatou que a prisão para ela é um oásis. Ela tem sempre com quem conversar.
Norena Hertz constatou que o número de crimes cometidos pelas idosas quadriplicou, nos últimos tempos. E 70% dessas reincidem no crime, para voltar para a cadeia. Logo as japonesas, que têm uma cultura de valores robusta e até rígida para os padrões dos que entendem que não existe pecado do lado de baixo do Equador! Logo os japoneses, que ficaram conhecidos, mundialmente, pela prática do harakiri (suicídio), que era a única forma de limpar uma reputação manchada?
Para mim, o fenômeno parece guardar relação com a desestruturação das famílias. As famílias já não comem juntas, não sentam em volta da mesa para as refeições, para conversar sobre os acontecimentos do cotidiano; as pessoas não compartilham as angústias suportáveis, nem as impensáveis; o ritmo de trabalho, cada vez mais acelerado; essa busca desenfreada pelos resultados, pelo sucesso; a reificação da juventude, em detrimento dos mais velhos; não se cultiva a amizade desinteressada.
Esse foi apenas um dos resultados da pesquisa de Noreena Hertz, considerada uma das pensadoras globais. A autora alerta: a solidão não só prejudica a nossa saúde física e mental, a nossa riqueza, a nossa felicidade, mas constitui uma ameaça à democracia. O distanciamento social esgarça o tecido comunitário; ameaça as nossas relações familiares e pessoais. Mas está em nossas mãos a solução.
A autora propõe soluções originais que vão das reflexões e exercícios sobre as relações empáticas a modelos inovadores de residências urbanas; novas maneiras de revigorarmos os nossos bairros, de conciliarmos as nossas diferenças.
A obra não apenas estarrece, mas apresenta uma visão otimista e capacitadora do modo como podemos sarar as nossas comunidades fraturadas e restaurar as ligações nas nossas vidas. É preciso voltar a ligar para os amigos, lembrar-se do aniversário, não é Teca? (RE) CONECTE-SE!
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP. Membro da Organização Internacional Clube Soroptimista Internacional Brasilia Sudoeste.