Tião Lucena
O forró de São João era o mais esperado do ano pelos moradores de Princesa, que passavam o tempo todo dançando forró, mas achavam que o do santo era mais gostoso, mais afamado, mais animado, apimentado e com cheiro de pecado. Por isso a cidade se enfeitava de bandeirinhas coloridas, fogueiras de lenha de marmeleiro, balões invadindo o céu e fogos de lágrimas que Pedro Fogueteiro soltava para enfeitar o firmamento.
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Padre Maia, com seus noventa e tantos anos e uma hérnia enorme a lhe invadir o entrepernas, começava a percorrer as ruas logo cedo, contando as fogueiras. Era promessa que fez no tempo de jovem e a cumpria fielmente até quando a morte não mais permitisse. São João sem a figura de Padre Maia com suas andanças de fogueira em fogueira, não era São João.
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E lá ia o bom velhinho, chapéu de massa na cabeça, terno de linho branco e alpercata de rabicho, subindo do Cancão à Rua da Gaveta, do Escorregou Tá Dentro à Rua da Lagoa, passando pela Rua Grande dos ricos e entrando pelo Cruzeiro dos pobres e das raparigas.
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Tozinho fazia plantão no pátio da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho para soltar os balões coloridos, que singravam os céus até que um foguetão intrometido de Pedro Fogueteiro lhe furasse o papel e o fizesse despencar.
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Cecília Mandaú continuava ali, firme e forte, vendendo o seu bolo de caco com groselha, disputando o mercado com Maria Costa, especialista em cachorro quente de caldo de galinha com osso de pé.
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Os bailes se distinguiam pela nobreza dos participantes. Na Praça de Seu Mano, dançavam e brincavam quadrilha os eleitores de Nominando, sob a batuta do maestro Parajara Duarte. Na outra extremidade da cidade, a quadrilha de Aloísio Pereira tinha o comando de Cícero Marrocos. E haja quem quisesse mostrar força, prestígio, destaque!
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Os chamados pés-rapados só têm acesso às coisas dos ricos quando há eleição. Como no mês de junho não existe essa coisa, os pobretões feito eu tinham que se resignar aos famosos “Bolos Doces”, forrós de pontas de rua tocados pelo fole de oito baixos de Luiz de Alfredo e pela sanfona afinada de Manoel Tocador. João Caiti no pandeiro, Luiz de Zé Vermelho na clarineta, Expedito Borrego no soprano, Zé de Menininha no sax, Chico de Mourão no pistom, Mitonho na bateria, Bicudo no pandeiro, Neguim Goiaba nas maracas, Heronildo no bombo, o cantor ora era Pimpa, ora era Bibiu, de modo que havia orquestra para não fazer vergonha a ninguém. A cota custava 50 pratas e só dançava quem pagasse. Por outro lado, a mulher que cortasse um cavalheiro ficava sem dançar o resto da noite, fazendo café na cozinha para curar a ressaca dos festeiros.
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Quando havia inverno, então, a coisa ficava melhor ainda. As fogueiras eram invadidas por espigas de milho verde, doces feito mel de abelha, para serem comidas assadas na brasa. E a pamonha dava no meio da canela, junto com a canjica, o feijão verde temperado com maxixe e pimenta malagueta, a galinha de capoeira servindo de retaguarda, a cachaça abençoada para animar a tropa e o sorriso do céu na boca da nuvem chuvosa anunciando dias bem mais prósperos para aquele povo amante da terra, seca ou molhada.
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Namoros se sucediam. Em qualquer beco, em qualquer esquina mais escura, montava-se uma fábrica provisória de fazer menino. As caboclas faceiras passavam a viçar mais cedo, por conta da alegria da sanfona e do triângulo, de modo que Mãe Filó e Mãe Preta, as parteiras do lugar, trabalhavam dobrado nos plantões dos nascimentos.
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Claro, isso é coisa do passado. Este ano, mesmo com chuva e fartura, nem fogueira pode ser acesa. Todo mundo tem que se resguardar do vírus traiçoeiro. Mas como a esperança é a última que morre, convém a todos viver o suficiente para, no ano que vem, brincar um São João dobrado, pelo novo que está chegando e pelo velho que não foi brincado.
Tião Lucena
Jornalista