Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo — Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, afirmou em entrevista à revista “Veja” que é “ultrajante e ofensivo” falar em “golpe” por parte das Forças Armadas, disse que o presidente Jair Bolsonaro “nunca pregou o golpe”, mas fez uma ressalva: “Não estica a corda”.
As declarações do ministro provocaram reações negativas no meio político – parlamentares classificaram a fala de Ramos como “ameaça” (leia ao final desta reportagem).
Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro compareceu a manifestações pró-governo em Brasília, nas quais os manifestantes costumam levar faixas que pedem intervenção militar e fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, reivindicações antidemocráticas e inconstitucionais.
Na reunião ministerial de 22 de abril, cujo conteúdo da gravação se tornou público após decisão do STF, Bolsonaro se referiu ao artigo 142 da Constituição para dizer que, com base nesse artigo, as Forças Armadas poderiam intervir para “restabelecer a ordem”. O ministro Luiz Fux, do STF, porém, já decidiu que as Forças Armadas não são “poder moderador” em eventual conflito entre poderes. A Ordem dos Advogados do Brasil e a Câmara dos Deputados também emitiram pareceres com entendimento semelhante, de que não cabe às Forças Armadas o papel de poder moderador.
General da ativa, Ramos nega a possibilidade de as Forças Armadas tomarem a iniciativa de “quebrar o regime democrático”.
“Fui instrutor da academia por vários anos e vi várias turmas se formar lá, que me conhecem e eu os conheço até hoje. Esses ex-cadetes atualmente estão comandando unidades no Exército. Ou seja, eles têm tropas nas mãos. Para eles, é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”, declarou Ramos à revista.
“Eu estava quietinho lá atrás, também apenas observando. Aí o presidente perguntou: ‘Cadê o Ramos?'”, afirmou. Por esse motivo, disse já ter conversado com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e com o comandante do Exército., Edson Pujol, e que deve pedir para passar para a reserva.
“Estou tomando essa decisão porque acredito que o governo deu certo e vai dar certo. O meu coração e o sentimento querem que eu esteja aqui com o presidente”, declarou.
Segundo afirmou à revista, Ramos se infiltrou no último fim de semana na manifestação contrária ao governo Bolsonaro em Brasília. No ato, havia pessoas com faixas a favor da democracia e contra o fascismo.
“No domingo, fiquei disfarçado no gramado em frente ao Congresso observando o pessoal. Eles não usavam vermelho para não pegar mal. Mas me pareceu que eram petistas”, declarou, segundo a publicação.
Ramos, conforme a revista, estava de gorro, máscara e óculos escuros e ficou “assustado” com faixas que acusaram o governo de ser fascista.
“Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito. Não contribui com nada para serenar os ânimos. Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos”, afirmou Ramos.
Na entrevista, o ministro disse que é “passar do ponto” comparar Bolsonaro ao ditador nazista Adolf Hitler, responsável pelo extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Na semana passada, em mensagem privada, enviada a destinatários próximos, o ministro Celso de Mello comparou a situação política atual do Brasil à da Alemanha nazista e disse que a intervenção militar pretendida por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro significa a instauração de uma “ditadura militar” no país.
As ações começaram a ser julgadas em 2019, mas ainda não há previsão de conclusão. Na Câmara dos Deputados, há pedidos de impeachment de Bolsonaro. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já disse que “não é hora” de discutir o tema.
O ministro se referiu também ao julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, de ações que visam cassar a chapa formada por Bolsonaro e pelo vice Hamilton Mourão.
“Se o Congresso, que historicamente já fez dois impeachments, da Dilma e do Collor, não cogita essa possibilidade, é o TSE que vai julgar a chapa irregular? Não é uma hipótese plausível”, declarou Ramos à revista.
Reações
As declarações de Ramos à revista repercutiram na sociedade e no meio político (em ordem alfabética):
Alessandro Molon, deputado federal (RJ) e líder do PSB na Câmara – “O ministro diz que não haverá golpe, mas condiciona isso a calar a Oposição. Ou seja, faz uma ameaça caso Bolsonaro não tenha carta branca para continuar rasgando a Constituição. Por aqui, seguiremos, firmes e responsáveis, contra abusos e pela vida!”
Alexandre Frota, deputado federal (PSDB-SP) – “General Ramos ameaçando o povo Brasileiro ? Ou ameaçando os que não compactuam com as mentiras e armações de um Governo caótico que precisa comprar as pessoas ,e abrir mão das promessas para Governar? Um escândalo atrás do outro . E agora vem com esse papo de esticar a corda.”
André Figueiredo, deputado federal (PDT-CE) e líder da oposição na Câmara – “Pode ter certeza que esticaremos o quanto for necessário pra barrar todas as atrocidades deste desgoverno incompetente e genocida . E a melhor corda pra isso se chama IMPEACHMENT!”
Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus (PSDB) – “Ministro Eduardo Ramos falou à Veja: “oposição está esticando a corda”. Não seria o governo Bolsonaro a fazer isso sempre? Com reunião “ministerial” escatológica, ameaças aos poderes constituídos e ideia fascista de criar reitores biônicos. Devagar, general. Não estamos em 1964.”
Carlos Lupi, presidente nacional do PDT – “General, não ameace a vida do povo brasileiro. A nossa é luta é sem armas mas o senhor não tem ideia de onde nós podemos ir pela pátria brasileira.”
Eliziane Gama, senadora (MA), líder do Cidadania no Senado – “As declarações do General Ramos são ofensivas e mantêm o nível de provação institucional característico desse governo. Mais uma vez um militar se presta a um desserviço ao fazer declarações ofensivas e em tom de ameaça. ‘Esticar a corda’ é atentar contra a democracia.”
Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – “Ministro Luiz Eduardo Ramos fala pela Secretaria de Governo de Bolsonaro. Proponho à imprensa que passe a chamar todos os generais que atuam no governo pelo cargo atual, para escancarar as tentativas torpes de reduzir as forças armadas a escudo anti-crítica do presidente.”
Fernanda Melchionna, deputada federal (RS) e líder do PSOL na Câmara – “Colocam vidas em risco e se alguém se revoltar, ameaçam golpe: morram sem direitos e sem reclamar! Mais uma ameaça de um ministro, dessa vez o General Ramos. Em que mundo alguém pode achar isso normal? O #ForaBolsonaro se torna cada vez mais necessário.”
Fernando Haddad, candidato à Presidência em 2018 pelo PT – “Senado devolve MP da intervenção inconstitucional nas universidades públicas, e obriga Bolsonaro a revogá-la. Fascista se trata assim: esticando a corda.”
Fernando Holiday, coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL) e vereador em São Paulo pelo Patriota – “O General Ramos disse que ‘não há risco de golpe’, mas só ‘se a oposição não esticar a corda’, ou seja, todo mundo tem que ser cadelinha do Bolso ou a democracia acaba. Essa é a concepção de democracia desse Governo mequetrefe, todos tem que se curvar.”
Filipe Barros, deputado federal (PSL-PR) – “A corda já esticou faz tempo.”
Gleisi Hoffmann, deputada federal (PR) e presidente nacional do PT – “E o q é esticar a corda general? Investigar os crimes praticados pelo presidente q tutelam? Julgar as ações de crimes eleitorais praticados pela chapa Bolsonaro/Mourão? Abrir um dos + de 30 processos de impeachment q estão na Camara? Isso chama-se ameaça.”
Paulo Teixeira, deputado federal (PT-SP) – “Quem é o General Ramos para falar para oposição parar de esticar a corda? Ele que participa de um governo responsável por 40 mil mortes, que fala em AI-5 e no fechamento do STF. Não reconheço autoridade nele para nos chamar a atenção.”
Sâmia Bomfim, deputada federal (PSOL-SP) – “É um vexame a declaração do ministro Ramos sobre oposição não poder “esticar a corda”. Os militares que compõem o governo são coniventes com sua política genocida e com os arroubos ditatoriais de Bolsonaro. Acham que nos intimidam, mas eles é que estão com os dias contados.”