Maria José Rocha Lima[1]
O fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), afirmou com irônica satisfação que “o seu destino era perturbar o sono da humanidade.”
O texto em epígrafe é bem elucidativo das perturbações causadas pelo médico e pesquisador austríaco. Suas teorias abalaram o mundo e modificaram a maneira de ver o ser humano, influenciando a medicina, a educação, as artes e a psicologia, tornando-o um grande ícone do século XX.
Em 1917, Freud, no texto intitulado “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, mencionou três feridas narcísicas da humanidade, ou seja, três momentos em que a ciência “destronou” o ser humano de uma autoimagem mais grandiosa e onipotente. A primeira ferida narcísica são as descobertas de Nicolau Copérnico e da astronomia moderna, de que a Terra, e em consequência o homem, não é o centro do universo. Assim, fere-se o ego humano ao se constatar que o planeta em que o ser humano vive é parte de um Universo muito maior e multicentralizado em galáxias e sistemas. A segunda ferida narcísica foi produzida pelas descobertas de Charles Darwin e a sua teoria da evolução, revelando o homem como uma espécie do reino animal, como outras. A terceira ferida narcísica é de natureza psicológica: é a descoberta de que o ser humano é governado pelo inconsciente, isto retira do pedestal a ideia de que o ser humano tem total controle sobre sua vida psíquica.
O lançamento da sua obra (1899) A interpretação dos sonhos, que ele gosta de chamá-la “livro do sonho”, “tornou-se propriedade -amada, tripudiada, inescapável – do século XX”, como escreveu Peter Gay. Para Freud, A Interpretação dos Sonhos era “a sua obra mais significativa”. Ele observou, em 1910, que, se chegasse a ser reconhecido, a psicologia normal também teria de ser refeita sobre novas bases. E sobre o “livro do sonho” Freud afirmou que “ele encerra, mesmo segundo meu atual juízo, a mais valiosa de todas as descobertas que a minha boa sorte coube fazer. Uma percepção dessas ocorre no destino de alguém apenas uma vez na vida.” (Peter Gay, 2012, p.22)
Freud, achando pouco a ferida narcísica incurável que causou a toda a humanidade, propôs a Transmissão da Psicanálise Fora da Universidade! Podemos imaginar o quanto deve ter atraído de inimigos, parecendo ferir o brio da comunidade universitária.
Em 1919, um ano antes da criação do burocrático sistema de formação de psicanalistas pelo Instituto Psicanalítico de Berlim, Freud publicou o artigo Sobre O Ensino da Psicanálise nas Universidades (1919). Naquele texto sucinto, porém fundamental, Freud afirma: “É indubitável que a incorporação da psicanálise ao ensino universitário significaria uma satisfação moral para todo psicanalista, mas não é menos evidente que este pode, por seu lado, prescindir da Universidade sem menosprezo algum para sua formação”. (1974, p. 251)
E Freud diz mais: “Com efeito, a orientação teórica que lhe é imprescindível ele a obtém mediante o estudo da bibliografia respectiva e, mais concretamente, nas sessões científicas das associações psicanalíticas, assim como pelo contato pessoal com os membros mais antigos e experimentados das mesmas. Quanto a sua experiência prática, fora aquela adquirida através de sua própria análise, poderá alcançá-la mediante tratamentos efetuados sob controle e guia dos psicanalistas mais reconhecidos”. (Freud, S. (1974, p. 251)[2]
Ao propor o Tripé para a Transmissão do Saber Psicanalítico, afirma: “É necessária uma relação própria com o inconsciente, sua transferência, ou seja, acontece num processo pessoal de análise, onde o analista leva a análise dos seus analisandos até onde foi a sua análise, mesmo que o analista leia livros, estude o assunto, mesmo assim, só passando pelo processo de transformação pessoal próprio que se pode ajudar a repetir esse processo do outro lado, a outras pessoas que também fazem essa exploração pelo seu próprio inconsciente”. (FREUD, 1919/1996, p.187)
Em Brasília, desde 2004, temos a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP, que vem seguindo a tradição freudiana e adota o tripé constituído por formação teórica, análise pessoal e supervisão. A instituição admite nos seus cursos de Especialização em Psicanálise pessoas com formação universitária que desejem se ocupar das questões humanas. Nestes 18 anos de fundação, a instituição realiza, anualmente, o curso, tendo formado 165 psicanalistas. É uma boa para quem quer mudar de profissão, trabalhar após a aposentadoria, sobretudo se autoconhecer e ajudar pessoas na busca de uma vida mais consciente e plena.
A ABEPP está com inscrições abertas para o Curso de Especialização em Psicanálise em 2023.
[1] Maria José Rocha Lima é mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. E membro da Soroptimist International SI Brasília Sudoeste. Sócia Benemérita da Hora da Criança da Bahia.
[2] FREUD (1974) Sobre o ensino da psicanálise na universidade. In Obras completas. Madrid, España: Alianza. (Originalmente publicado em 1919).