No ano passado, a ONG católica Caritas recebeu meio milhão de pessoas que nunca haviam recebido ajuda alimentar.
Embora oculta por trás de uma máscara preta, Rita não deixa de passar nos lábios batom vermelho profundo. Mas seu sorriso de comediante estremeceu quando teve de se juntar às “filas da fome” em Madri.
“Foi um momento difícil e triste. Você passa por um estado de vergonha, embora não devesse ser assim”, desabafa esta mexicana de 41 anos, que perdeu o emprego de professora de teatro no início do estrito confinamento de março de 2020 e não encontrou outro desde então, ficando sem renda.
Um ano após a eclosão da pandemia na Espanha, a necessidade de ajuda alimentar é onipresente entre os setores mais afetados pela consequente crise econômica.
No ano passado, a ONG católica Caritas recebeu meio milhão de pessoas que nunca haviam recebido ajuda alimentar. Somente na capital, os bancos de alimentos viram sua demanda aumentar 40% em relação ao ano anterior.
Todas as sextas-feiras desde dezembro, Rita Carrasco recebe uma grande caixa com comida em um refeitório social no popular bairro de Carabanchel, no sul de Madri. Também colabora na distribuição de alimentos como voluntária, uma tarefa que ameniza um pouco sua situação amarga. “Dar e receber muda a percepção”, assegura.
Usando coletes amarelos, um grupo de voluntários se mobiliza em um grande salão paroquial, ladeado por uma cozinha nova para preparar pratos quentes. Antes, consumiam no mesmo local, mas agora são entregues para levar por razões sanitárias. Outros distribuem frutas, vegetais, ou cereais, para as pessoas que fazem fila na calçada estreita, geralmente mulheres de origem latino-americana em um bairro com grande presença de estrangeiros.
É um dos quatro refeitórios de emergência abertos em 2020 pela entidade de ação social Álvaro del Portillo. Antes da pandemia, só um se fazia necessário. Atualmente, atendem cerca de 2.000 pessoas, o dobro do número de um ano atrás.
“Ao longo dos meses, notamos um certo relaxamento”, afirma Susana Hortigosa, presidente da associação paroquial.
“As demandas ainda são maiores do que antes da pandemia, mas caíram um pouco. As pessoas começaram a receber o seguro-desemprego parcial, encontraram horas de trabalho” com a reativação da economia, explica.
Chover no molhado
Desde o início da crise, o governo de esquerda de Pedro Sánchez desembolsou 40 bilhões de euros (US$ 47,6 bilhões) para financiar planos de desemprego parcial, uma das principais medidas para apoiar as famílias afetadas e evitar demissões em massa.
No entanto, a avalanche de pedidos sobrecarregou a administração, que às vezes demora meses para pagar esses benefícios.
Isso aconteceu com o marido de Reina Chambi, de 39 anos. Ele trabalhava em um hotel, e ela cuidava de idosos, empregos que a pandemia tirou imediatamente.
“Eles atrasaram o pagamento do benefício. Tivemos que ir à igreja, porque não tínhamos renda”, explica a mãe de duas meninas, que suporta um vento gelado enquanto faz fila em outro refeitório no bairro de Vallecas.
A chegada do benefício deu fôlego à família, embora, com os dois desempregados, a ajuda alimentar ainda seja essencial.
“É uma grande ajuda, porque no fim não temos que comprar leite, grão de bico, macarrão, essas coisas. E gastamos isso com detergente, ou carne”, explica Reina timidamente, que sente falta da “vida estável” que construiu depois de chegar da Bolívia há 15 anos.
Na Espanha, um quarto dos habitantes já se encontrava em risco de pobreza, ou exclusão social, em 2019, uma das taxas mais elevadas da Europa. E a pandemia foi mais cruel com os mais vulneráveis.
“Você se sente frustrado, porque toda vez que tento avançar, algo acontece”, lamenta Amanda Gomez, 53, divorciada pouco antes da pandemia.
Agora ela está sozinha para criar dois filhos, um deles deficiente, com sua escassa renda como empregada doméstica. A família já dependia de ajuda há seis anos, pois seu ex-marido ficou desempregado na crise econômica anterior.
Amanda não desiste: habilidosa na cozinha, busca receitas na Internet para “aproveitar ao máximo” a comida que recebe e tenta entregar bolos em casa na esperança de um dia abrir uma confeitaria.
“Sonho grande, porque sonhar também não custa nada. O que eu quero é ir à paróquia sem pedir nada. Ir apoiar”, completa.
Por France Presse*