No primeiro vídeo, enviado aos colegas vereadores, Cristófaro disse que se referia a ‘carros pretos que são f… e não é fácil para cuidar da pintura’. Já na reunião presencial do Colégio de Líderes, ele contou que conversava com um colega negro que é ‘tido como irmão’.
Flagrado em áudio racista vazado no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Camilo Cristófaro (PSB) apresentou duas versões diferentes para a frase dita nesta terça-feira (3).
Durante uma sessão da CPI dos Aplicativos, Cristófaro foi ouvido dizendo a frase: “Não lavar a calçada…é coisa de preto, né?”, enquanto aguardava participação por videoconferência.
Ao justificar a fala para os colegas vereadores, o parlamentar afirmou na primeira versão, gravada em vídeo por volta de 11h20 e enviada aos colegas da Câmara por What’sApp, que se referia a “carros pretos que são f… e não é fácil para cuidar da pintura”.
“São 11h20 da manhã e estou fazendo uma gravação aqui. Estou dizendo exatamente que esses carros pretos dão trabalho. Que os carros pretos são f… Estou dizendo aqui que carro preto não é fácil para cuidar da pintura. Então, se a vereadora Luana olhou pro outro lado, 70% das pessoas que me acompanham, vereadora, são negros. Então, a senhora não vêm com conversa. Olha só, estão lavando aqui, oh. Estou dizendo que carro preto dá trabalho, que carro preto é f… dão mais trabalho para polir”, disse Cristófaro
Mais tarde, às 14h, ao participar do Colégio de Líderes da Câmara com outros parlamentares, ele deu uma nova versão do caso, dizendo que estava conversando com um colega negro, de nome Anderson Chuchu, que é considerado um irmão para ele e quem o vereador tem muita intimidade.
“Eu ia gravar um programa que não foi gravado lá no meu galpão de carros. Eu estava com o Chuchu, que é o chefe de gabinete da Sub do Ipiranga, e [ele] é negro. Eu comentei com ele, que estava lá. Inclusive no domingo nós fizemos uma limpeza e quando eu cheguei eu falei: ‘isso aí é coisa de preto, né?’. Falei pro [Anderson] Chuchu, como irmão, porque ele é meu irmão”, afirmou o vereador.
“Se eu errei é porque eu tenho essa intimidade com ele, porque ele me chama de carequinha, ele me chama de ‘veínho’. Nós temos essa intimidade. Ele é um irmão meu”, completou.
Investigação na Corregedoria
Apesar das duas justificativas, a fala de Cristófaro repercutiu entre os vereadores da Câmara, que irão protocolar um pedido de investigação contra ele na Corregedoria da Casa.
O presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), se disse “indignado mais uma denúncia de episódio racista dentro da Câmara”.
“É com uma indignação imensa que lamento mais uma denúncia de episódio racista dentro da Câmara de Vereadores de São Paulo, local democrático, livre e que acolhe a todos. Como negro e presidente da Câmara tenho lutado com todas as forças contra o racismo, crime que insiste em ser cometido dentro de uma Casa de Leis e fora dela também. O caso será apurado pela Corregedoria da Câmara Municipal”, disse em nota.
A vereadora Luana Alves (PSOL), que estava na CPI dos Aplicativos e na reunião do Colégio de Líderes da Câmara, disse que a fala do colega é reflexo de outros episódios racistas não punidos pela Corregedoria do Legislativo.
“Quando a gente tem casos de racismo na Câmara Municipal de SP, como tivemos diversos desde quando virei vereadora, e esse crime não é punido, é esse tipo de coisa que acontece. Os vereadores se sentem a vontade para terem falas racistas em plenário. Fico indignada que depois de um vazamento tão claro o vereador venha no Colégio de Líderes justificar…”, declarou Luana.
Em nota, o PSB informou que Cristófaro está em processo de desfiliação do partido desde 28 de abril. “Ele pediu a desfiliação alegando que tem pensamentos diferentes em relação aos defendidos por nós, do PSB. Cabe ressaltar que repudiamos veementemente qualquer declaração preconceituosa.”
Outros casos de racismo na Câmara
Camilo Cristófaro já tinha protagonizado outro caso de racismo na Câmara Municipal, em setembro de 2019. Na ocasião, durante debates na Casa sobre uma fala do colega Fernando Holiday (Novo), o vereador disse que o parlamentar negro era “o grande ‘macaco de auditório’ das redes sociais dando risada dessa Casa”.
Na época, Holiday havia afirmado publicamente que a maioria dos parlamentares da Câmara não trabalhava, e foi rebatido por Cristófaro.
“Ele é o grande ‘macaco de auditório’ das redes sociais dando risada dessa Casa. (…) Acusa seus colegas de vagabundos, que vereadores dessa Casa não trabalham”, declarou.
Na ocasião, Holiday disse que acionaria o Ministério Público contra o vereador e abriu uma representação na Corregedoria da casa contra o parlamentar, que ainda não foi avaliada pelo colegiado.
Em nota, o corregedor da Câmara, vereador Gilberto Nascimento (PSC), disse que “o relatório referente a este processo será votado nas próximas semanas, a partir do dia 19 de maio”.
“Esse processo é de outra gestão da Corregedoria, mas agora o corregedor geral desta legislatura, o vereador Gilberto Nascimento está finalizando todos os processos pendentes”, disse o gabinete do corregedor.
Em nota nesta terça (3), Fernando Holiday repudiou as novas falas do colega do PSB.
“É inaceitável que na sociedade atual ainda tenhamos que passar por situações como essa. Não há espaço para tais declarações. Espero que a resposta da Câmara seja rígida e rápida, para dar o exemplo e, não apenas coibir, mas também mostrar o que de fato acontece com quem propaga esse tipo de pensamento”, disse a nota do parlamentar.
Caso Arnaldo Faria de Sá
Em julho de 2021, o vereador Arnaldo Faria de Sá (Progressistas) também usou a expressão “negro de alma branca” ao se referir ao ex-prefeito Celso Pitta durante um discurso na Câmara Municipal de São Paulo e gerou indignação entre os parlamentares da casa.
Após ser sido acionado na Corregedoria da Câmara pela mesmo vereador Luana Alves (PSOL), o colegiado negou a cassação do parlamentar em fevereiro deste ano.
O relatório do vereador Aurélio Nomura (PSDB), que foi o relator do processo no colegiado, afirmou que não houve intenção de ato racista intencional na fala do vereador do Progressistas, mas sugeriu uma advertência verbal ao parlamentar por mal uso da expressão.