*Frutuoso Chaves
Pilar, cidade paraibana inscrita entre as mais antigas do Nordeste, completa 263 anos. Adquiriu status de vila, em 14 de setembro de 1758, por carta régia de dona Maria I, embora tivesse o povoamento iniciado ainda em fins do Século 17. Em 1630, ao aprofundarem a invasão, os holandeses advindos de Pernambuco ali já encontravam fazendas de gado.
Quarenta anos depois, na companhia de índios Cariris, um grupo de jesuítas capitaneado por Frei Francisco, natural da italiana Modena, fundava o colégio em torno do qual o povoado floresceu. Depois disso, a pequena Pilar, que então concentrava levas de garimpeiros, pouco a pouco se transformaria em centro de produção açucareira.
Foi nesta condição que Dom Pedro II a visitou um dia antes do Natal de 1859. Desceu do vapor “Apa”, no Porto do Capim, em João Pessoa, e cobriu o percurso em lombo de cavalo, com dona Teresa Cristina, a Imperatriz, em carruagem, tomando poeira.
Curiosamente, o setembro que demarca o surgimento da vila também assinala o tempo da morte do mais cultuado dos pilarenses, o escritor José Lins do Rego, a quem essa terra deve a projeção de sua gente, seus costumes e sua paisagem em livros traduzidos para mais de dez idiomas.
Diga-se que recantos com o tempo de existência da paraibana Pilar costumam parir certas expressões, também, da história e da política. Que o digam os pilarenses Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque (presidente da Província de Sergipe, por carta imperial de dezembro de 1824) e Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, o Visconde de Cavalcanti. Este último foi ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, ministro da Justiça e dos Estrangeiros, além de presidente das Províncias do Piauí, Ceará e Pernambuco, na segunda metade do Século 19. Também foi, ao que se conta, quem determinou a construção, na Paraíba, da Estrada de Ferro Conde d’Eu que ligaria Cabedelo a Alagoa Grande.
E Pilar ainda inclui na relação de filhos famosos Albino Gonçalves Meira (presidente de Pernambuco, em 1890) e Manoel Maroja Neto (desembargador e governador do Pará, de novembro de 1945 a fevereiro de 1946).
“Lugar que já teve forca não progride”. Quantas vezes os meninos da minha geração não ouvimos isso quando de uma ou outra queixa dos pais e avós, ora contra a falta de mercadorias no comércio local, ora em razão dos avanços da vizinha Itabaiana.
Ocorre que os nomes de peso da política nascidos à beira do Rio Paraíba pouco ou nada ajudaram no desenvolvimento da terra natal. Nem estes nem os que depois deles adviriam para o comando do município.
Pessoalmente, eu hoje vejo essa senhora de 263 anos como uma daquelas velhas donas de engenho saudosas dos tempos áureos, dos anos de fartura e prestígio. E sem que tenha, ela mesma, posto alguém no mundo com a força de vontade e o talento necessários à recuperação de parte daquilo que perdeu.
O coração da zona canavieira que atraiu Dom Pedro ao lugar há muito sucumbiu. Foi-se com o advento das usinas, que Pilar nunca teve, e dos engenhos de açúcar dos quais já possuiu quarenta, todos, hoje, de fogo morto.
Em princípios de 1990, fui procurado, em João Pessoa, por gente ligada à produção de “Menino de Engenho”, o especial da TV Globo para a Terça Nobre, sob a direção de Roberto Farias. A indicação fora feita, creio eu, por algum dos velhos companheiros da Sucursal recifense do Jornal “O Globo”.
Forneci alguns nomes para os contatos de que eles precisavam e soube, dias depois, que haviam desistido das filmagens em Pilar, por falta de tudo: galpão para alugar, restaurante para a equipe e casario típico do início do Século 20. Até a estaçãozinha de trem já estava depredada. Ali, também, não mais encontraram símbolos gritantes do mundo de José Lins, a exemplo do canavial e do carro de boi. Assim, transferiram a locação para o interior de Pernambuco, se não me engano.
O fato é que Pilar perdeu a oportunidade da convivência, por alguns dias, com atores e atrizes da dimensão de Lucélia Santos, Francisco Cuoco, Marcelo Serrado, Ilka Soares, Paulo Gorgulho, Jacira Silva e outros mais. Isso, poucas décadas depois de haver ambientado os filmes “Menino de Engenho”, rodado em 1965 por Walter Lima Jr., e “Soledade”, por Paulo Thiago, em 1976.
Não há dúvida de que este município tem hoje no turismo (pouquíssimo explorado) a mais sentida das suas vocações. O Engenho Corredor, onde José Lins nasceu, está disposto à visitação pública, graças ao bom senso dos atuais proprietários que se articularam com o poder público para a necessária e urgente restauração.
Mas a cidade ainda perde, sem remédio, expressões locais das artes, dos costumes e do folclore. Antigo núcleo de produção de louças, a Rua da Lagoa é um exemplo doloroso desse descuido. Morreu, ali, a tradição das louceiras antes repassada das mães às filhas. Pior, então, para os mais pobres, desassistidos dos programas de redenção social e distantes do mínimo plano de treinamento, aprendizado e produção cooperativada de bens materiais e imateriais. Não é Odete de Pilar?
É claro que falo à figura enciclopédica da ciranda e do coco-de-roda, à legítima expressão do cantar nordestino. É de Odete esses versos sofridos, mas um brado de resistência, um grito de esperança: “Se eu mergulhei foi no porão. Mergulhei, saí de lá. Atravessei o mar soturno”.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).
