
Miguel Lucena
Num país onde o capim cresce, o galinheiro debate acusações, e o cabo de vassoura virou bandeira, eis que surge a mais grave das denúncias: a Galinha Pintadinha – sim, aquela que dedilha “pim pim pá, pim pim pá” e ensina que “o pintinho amarelinho” era famoso – foi apontada como agente infiltrada do comunismo.
A voz da acusação? Júlia Zanatta, deputada federal pelo PL-SC, que ergueu o dedo desta vez não para dominar a plateia, mas para salvar a família brasileira da ameaça do “grão-galinheiro vermelhinho”.
O enredo
Certa manhã, ao ligar o tablet da criançada, pipocou na tela a mascote, plumas azuis, olhos redondos, cantarolando. Mas a deputada, alheia ao “pó pó muu”, agarrou seu microfone e declarou: “Esta galinha é comunista!” E arrematou: “Faz apologia à transição de gênero, critica o capitalismo, adora o camarada Gramsci!” A rotina das animações mudava, segundo ela, para um desfile vermelho-rubro de conspirações.
A galinha e o marxismo
Imagino a pobre Galinha Pintadinha, sacudindo a crista, levando o pintinho ao berço, e de repente ter de explicar que o “marchinha soldado” não era ensaio para a Internacional, mas uma cantiga de roda.
Enquanto isso, no gabinete da deputada, planilhas de subversão infantil mostravam que “o pintinho amarelinho” estava aí para “normalizar a marxização da infância”. Ou algo assim.
O momento cômico
É fascinante: um desenho que ensina que “a barata diz que tem” virou epítome de “ideologia vermelha”. Na imaginação da deputada, o galinheiro deixou de ser celeiro e se tornou salão de reuniões clandestinas, onde as cantigas de roda planejam o fim do capitalismo.
A cena é de um teatro: a galinha — afinal uma figura infantil, bonitinha — veste uma foice e martelo invisível, enquanto a deputada ostenta flores e guirlandas como adereços de guerreira da moral. Sim, flores na cabeça são o novo uniforme da vigília anticomunista.
Um convite à reflexão
Claro que podemos rir. É difícil levar a sério que alguém ache que “Galinha Pintadinha” prepara o proletariado infantil para a revolução. Mas há lições nesse riso:
Quando o simbólico invade o trivial, perdemos a fronteira entre brincar e conspirar.
A infantilização da política — ou a politização da infância — pode assumir formas tão absurdas que acabam tornando a política menos séria ainda.
E se amanhã acusarem a borboletinha de “promoção da libertação das lagartas” ou a “Mariana” de “laboratório de crítica ao colonialismo”?
Final apoteótico
Enquanto a galinha canta “quem está feliz” e balança o “tororó”, a deputada aguarda o próximo vídeo subversivo, com espanto estampado.
E a plateia? Ora, ela ri, chora, troca de canal. Quem diria: uma galinha azul virou símbolo de conspiração, e num país onde os galos cantam às seis, agora temos ministros de bandos de aves e deputados de galinheiros ideológicos.
Que ao menos a Galinha Pintadinha siga dando risadas às crianças do Brasil, sem carrinhos de combate ou revoluções. Porque se o comunismo real já tem seus “camisas vermelhas”, imagine o que fará uma galinha azul com voz doce.
E que a política, por favor, deixe de querer galinheiros para conspirar — e volte a cuidar de galinhas de verdade: as da vida pública, mais sombrias, mais importantes, menos pintadinhas.

