*Frutuoso Chaves
Há muito eu me perguntava por que as instituições públicas brasileiras não conversavam entre si para fins que nos sejam de bom proveito. Falo delas e de seus bancos de dados. Eu e vocês, meus caros, somos, individualmente, um número de computador. Com base nisso, os sucessivos governos sabem quem somos, onde moramos e do que vivemos.
Temos todos os passos acompanhados, diariamente, pelo “olho que tudo vê”, expressão que me remete ao instigante “1984”, livro que o gênio criador de George Orwell ofereceu a leitores do mundo inteiro.
O que em 1949, ano do lançamento, parecia bem fantasioso e muitíssimo improvável ao dia a dia das civilizações logo se consumaria. O fato é que, desde o advento da Internet, integramos uma das sociedades mais vigiadas do planeta. Somos, cada um de nós, neste País de sol forte e fracas esperanças, um número de CPF.
Comprem numa loja e paguem com cartão para em seguida terem os portais de notícia prediletos, ou outros espaços virtuais, invadidos por propagandas de móveis, ou eletrodomésticos, a vocês claramente dirigidos. Duvido de que tenham saído daquela visita à farmácia sem o olhar vivo de laboratórios dispostos ao anúncio, nas redes sociais, de remédios contra a enfermidade de que estejam vocês acometidos.
Eles tudo enxergam, meu companheiro, minha companheira. Sabem dos nossos hábitos, do que sofremos, o que fazemos, por onde andamos. E nunca dormem, nunca afrouxam a vigilância, porquanto lucram com os anseios e as necessidades de cada um de nós.
Com quais artes do diabo foi Orwell prever tudo isso 73 anos atrás? Sua criatura, o Big Brother, o olho que tudo vê, hoje dá nome a esse programinha infame, essa franquia televisiva de amplitude universal que dispõe a intimidade alheia nas salas, camas e banheiros a bisbilhoteiros de todos os sotaques. Mas essa é outra história, posto que a bisbilhotice é consensual. Resulta da busca por dinheiro e fama dos assim espionados. Conosco, não. Neste caso, o Sistema nos vigia e nos controla sem a permissão que nem pediu nem oferecemos.
E eis que acordo neste fevereiro de 2022 com uma boa nova: a da espionagem oficial a serviço do distinto público. Não me ocorre que isso tenha alguma vez já acontecido em tamanha dimensão. Refiro-me à notícia segundo a qual o governo pôs fim à obrigação da prova de vida presencial. As instituições, até que enfim, vão trocar informações para objetivo que não seja o da investigação policial. Para tanto o compartilhamento de informações já era de largo uso.
A tal prova de vida foi providência tomada em 2011 a fim de evitar os saques indevidos da Previdência em nome dos defuntos nossos de cada dia. Até agora, 36 milhões de aposentados e pensionistas, muitos deles mais mortos do que vivos, viam-se obrigados a apresentar-se em carne e osso nos guichês de bancos superlotados. O que até então se tinha era uma maçada enfadonha, absurda e desnecessária.
Desnecessária, sim, dada a franca possibilidade do compartilhamento com a Previdência Social dos bancos de dados mantidos pela Receita Federal, a Justiça Eleitoral e o sistema bancário. Se você se vacina, se vende, compra e paga, se entra em hotel e se vota, você, evidentemente, está vivinho da silva. Êpa… Acabo de ressuscitar uma expressão do arco da velha. Será que vão pensar que este é um texto psicografado?
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).