Presidente dos EUA volta a criticar comandante do Fed e bolsas norte-americanas abrem semana em queda generalizada

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a atacar o comandante do Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano), Jerome Powell, e a pedir cortes nas taxas de juros enquanto toma medidas de efeito inflacionário. O republicano acusou o chefe da autoridade monetária de favoritismo político sobre a gestão anterior, do ex-presidente Joe Biden.
“Muitos estão pedindo por ‘cortes preventivos’ nas taxas de juros”, escreveu Trump, ontem, no Truth Social. O republicano retomou o argumento de que “praticamente não há inflação” no país e se referiu a Powell, indicado por ele em 2018, no primeiro mandato, como “Sr. tarde demais”.
“Com esses custos em uma tendência de queda tão agradável, exatamente como eu previ, quase não pode haver inflação, mas pode haver uma desaceleração da economia, a menos que o Sr. tarde demais, um grande perdedor, reduza as taxas de juros, agora”, afirmou.
Trump destacou ainda que o Banco Central Europeu (BCE) já reduziu os juros sete vezes. “Powell está sempre ‘atrasado demais’, exceto no período de eleições, quando baixou juros para ajudar o sonolento Joe Biden, e depois Kamala [Harris]. E no que deu isso?”, emendou.
Em Nova York, os três principais índices fecharam com quedas superiores 2%, em meio aos ataques de Trump contra o presidente do Fed e ao sentimento de fuga de ativos de risco. O Índice Dow Jones recuou 2,48%, e o Nasdaq, das empresas de tecnologia, 2,46%.
Desde a semana passada, o presidente norte-americano vem disparando críticas recorrentes ao dirigente do Fed. Ele chegou a estudar sua demissão, conforme afirmações do diretor do Conselho Econômico Nacional, Kevin Hassett, principal assessor econômico da Casa Branca.
Em janeiro, pouco depois da posse de Trump, o Fed interrompeu o ciclo de cortes iniciado em setembro de 2024. Em março, a taxa de juros americana foi mantida no intervalo de 4,25% a 4,5% ao ano, na segunda reunião seguida de manutenção da taxa básica.
As incertezas geradas pelo aumento de tarifas de importação impostas por Trump têm impacto direto na inflação, tornando o cenário mais incerto para a redução dos juros. O tamanho da dívida é outra preocupação de Trump e, com juros mais altos, a dívida dos Estados Unidos também fica maior.
Powell já sinalizou que as medidas protecionistas de Trump são risco para as metas do Fed, que tem como missão garantir os preços estáveis assim como o pleno emprego. Segundo ele, a guerra tarifária pode complicar a capacidade da instituição de controlar a inflação e, ao mesmo tempo, maximizar o mercado de trabalho.
Mercados
Conselheiros de Trump teriam o alertado de que uma eventual demissão de Powell seria problemática, tanto do ponto de vista legal quanto financeiro, causando queda significativa nos mercados. “O que a gente mais deixa em destaque para alerta é uma eventual descrédito do mercado em relação ao dólar e ao banco central norte-americano, que é uma instituição centenária e respeitada”, avaliou Ian Lopes, economista da Valor Investimentos.
O Fed é uma instituição independente do governo americano e tem um modelo parecido com o adotado no Brasil a partir de 2021, quando passou a valer a independência do Banco Central brasileiro. O presidente não pode demitir um dirigente de uma agência independente, no entanto, o governo Trump tenta derrubar essa proibição.
Lopes ponderou que as políticas de manutenção dos juros devem ser perseguidas caso o aumento das tarifas proposto por Trump continue. “O que a gente fica mais em alerta é prezamos por instituições independentes e quando isso acontece (uma demissão) gera uma desconfiança absurda e, com certeza, vai gerar um eventual estresse no mercado”, avaliou.
Em dia de feriado prolongado de Páscoa na Europa e na Austrália e Dia de Tiradentes no Brasil, as bolsas internacionais que estavam abertas apresentaram desempenhos distintos ontem. Tóquio e Taipé, por exemplo, fecharam com queda de 1,3% e de 1,49%, respectivamente. Shangai e Seul subiram 0,4% e 0,2%.
Ruídos
Embora o Fed tenha resistido formalmente a pressões políticas em mandatos anteriores, inclusive durante o próprio governo Trump, os ruídos políticos seguem influenciando as expectativas de mercado e elevando a volatilidade dos ativos, observou Felipe Uchida, sócio da Equus Capital. “A decisão sobre cortes de juros permanece sob responsabilidade do Fed, guiada por indicadores como inflação, emprego e crescimento. Ainda assim, declarações como as de Trump criam uma narrativa de urgência que pode distorcer a percepção de risco e influenciar em projeções de curto prazo.”
Para o Brasil, os analistas avaliam que esse ambiente tende a tornar o câmbio mais volátil e aumenta a incerteza no controle da inflação, já que a política monetária local pode precisar reagir a choques externos mesmo em um contexto de desaceleração doméstica.
Segundo João Kepler, CEO da Equity Group, as críticas públicas de Trump ao presidente do Fed adicionam uma camada extra de incerteza ao já frágil equilíbrio dos mercados globais. “Quando o principal líder da maior economia do mundo sugere uma interferência política sobre a autoridade monetária independente, as expectativas dos investidores se desancoram”, destacou.
“Para países emergentes como o Brasil, isso se traduz em fuga de capital, volatilidade no câmbio e maior dificuldade para controlar a inflação — especialmente quando o Banco Central precisa reagir a choques externos mesmo em um ambiente doméstico de desaceleração”, acrescentou Kepler.
Por Rafaela Gonçalves/CB