Por Sérgio de Castro Pinto
Se antes já desconfiava, hoje tenho certeza: a cidade de Princesa Isabel, na região dos Cariris Velhos, é a Macondo da Paraíba. Lá, a saga de outros Aurelianos Buendias se desenrola desde 1930, quando esse território paraibano se declarou livre e independente do governo estadual.
Àquela altura dos acontecimentos, o insurrecto Coronel José Pereira sequer fazia ideia de que estava fornecendo os ingredientes necessários para um livro que viria a ser escrito muitos anos depois: “O Dia dos cachorros” (Editora Bagaço, Recife, 2005),
de Aldo Lopes de Araújo. Livro cuja atmosfera mágica, fantástica, o aproxima da melhor literatura latino-americana, pois o menino Aldo é quem conta a história, embora o faça sob o prisma do escritor amadurecido, que se assenhoreia exemplarmente dos recursos técnicos, estilísticos, em que a visão cartesiana do adulto cede lugar ao inusitado da lógica infantil.
Em suma, se todos cantam a sua terra, Aldo também canta a dele, embora a sua canção à urbe natal seja entoada a muitas vozes, pois, ouvinte atento, escutou as muitas histórias da revolta de Princesa, inclusive as que diziam respeito a Ronco Grosso, seu avô, para, só então, construir um painel no qual a alegoria e o sortilégio dão sustentação e verossimilhança ao maravilhoso.
Aliás, já não disse Mario Quintana que “A poesia é a invenção da verdade”? Pois bem. “O Dia dos cachorros” constitui uma narrativa mais fidedigna do que a de todos os livros de história já escritos sobre o Território Livre de Princesa. Ele e “A Dança do urubu”, de Otávio Sitônio Pinto, cujos contos giram em torno de episódios irrelevantes, prosaicos, mas que adquirem dimensões tais que extrapolam o meramente circunstancial dessa cidadezinha do interior da Paraíba que, certamente, não faz jus ao verso exclamativo e enfarado de Carlos Drummond de Andrade: “Êta vida besta, meu Deus!”
Enfim, declarada livre, independente, Princesa gerou nas suas entranhas dois meninos mágicos, submissos apenas ao vôo sem peias da imaginação: Aldo e Otávio Sitônio. Isso sem falar de Sebastião Lucena, que nem por ter dado a lume um livro de história – “1930: a história de uma guerra” –, deixou de contrapontear a verdade dos fatos com a da ficção, esta última também história, pois, fruto do imaginário popular, constitui um componente sem o qual o Território Livre de Princesa seria simplesmente varrido do mapa.
Fonte: Carlos Romero