A médica Eliane Scherer, defendida por Jair Bolsonaro, convenceu famílias a aderirem ao tratamento não previsto nos protocolos do hospital
Três pacientes com Covid-19, que receberam nebulização com hidroxicloroquina diluída em soro nesta semana, tiveram mortes confirmadas no Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã, no sul do Rio Grande do Sul.
De acordo com informações do portal GaúchaZH, os quadros clínicos das vítimas variavam entre estáveis e graves, e evoluíram para óbito rapidamente após o início dos tratamentos experimentais ministrados pela médica Eliane Scherer.
As informações ainda apontam que os protocolos clínicos do hospital preveem apenas a prescrição da hidroxicloroquina pela via oral, mas a médica passou a aplicar a técnica experimental da nebulização do fármaco diluído, o que não é previsto pelos regulamentos medicinais.
O hospital em que os casos ocorreram afirma que evita fazer conexão direta entre as mortes e o tratamento alternativo, mas avalia que a técnica vem contribuindo para a degradação da saúde dos doentes.
Tiago Bonilha de Souza, médico e diretor-técnico do hospital, afirmou: “Não verificamos que a nebulização esteja contribuindo para melhorar o desfecho dos pacientes. Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento”.
A médica
De acordo com GaúchaZH, a médica Eliane foi demitida no dia 10 de março. Ela era contratada para atuar no pronto-socorro do hospital. Porém, mesmo com o desligamento, a profissional seguiu ministrando o tratamento experimental para alguns pacientes no hospital, incluindo os que conseguiram autorização judicial para isso e os que assinaram um termo de conciliação informando que pretendiam aderir à nebulização de hidroxicloroquina.
Sobre a demissão, o hospital justificou a decisão como consequência do tratamento experimental e de atritos com os outros médicos responsáveis pelos leitos clínicos e pela UTI, que não concordavam com os métodos da colega. Na última segunda-feira (22/3), o hospital denunciou a profissional ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) por 17 supostas infrações médicas. A peça também foi encaminhada ao Ministério Público.
As mortes
Uma das vítimas após o tratamento é um homem cuja família assinou o termo de conciliação. Havia desejo de tratamento com a médica, e o hospital, entendendo que não poderia impedir, propôs a assinatura do documento em que se eximia de responsabilidade por eventuais consequências. O paciente estava sob cuidados da equipe regular do hospital até as 18h de segunda-feira (22/3); a partir das 19h, Eliane assumiu o seu tratamento integral.
O quadro desse homem era considerado estável e ele estava em leito clínico, não havia necessidade de intubação ou UTI até aquele momento. Os médicos que o atendiam tinham planejado reduzir o fluxo de oxigênio — ele estava recebendo oito litros por minuto em máscara de Hudson. Pouco mais de 14 horas após o início das nebulizações o homem morreu, na terça-feira (23/3), às 9h30min, apresentando falta de ar e queda de saturação (oxigênio no sangue).
Sobre o caso, Maurício Costa Rodrigues, assessor jurídico do Hospital Nossa Senhora Aparecida, afirmou: “No atestado de óbito, a doutora Eliane não colocou a Covid-19 como causa. Citou outras, mas não a Covid. Ter informado isso era obrigatório, até pelas restrições no velório e enterro, e já havia teste positivo. Orientamos a nossa equipe e a família a proceder com os critérios de óbito por Covid”.
Na madrugada desta quarta-feira (24/3), outro paciente do tratamento experimental faleceu. Ele havia feito a primeira inalação da hidroxicloroquina na sexta-feira (19/3), enquanto estava em leito clínico, embora seu quadro já fosse considerado grave, com intubação e ventilação mecânica, aguardando liberação de UTI. Feitas as nebulizações, o quadro do enfermo seguiu piorando e ele acabou internado na UTI. Em seguida, acabou não resistindo.
A outra vítima é uma mulher que fez uma nebulização de hidroxicloroquina com a médica no domingo (21/3) à tarde. Ela também já estava em situação considerada mais grave, intubada, em ventilação mecânica e aguardando leito de UTI.
No domingo, por volta da meia-noite, a Justiça emitiu uma decisão liminar autorizando Eliane a fazer o tratamento experimental na paciente, desde que ela assumisse a assistência integral, e não apenas fizesse as nebulizações e deixasse o restante dos procedimentos com outros médicos.
Após ser comunicada pela direção do hospital do despacho, Eliane informou que não teria condições de assumir a paciente de forma integral, o que está registrado no processo judicial. Na segunda-feira (22/3), um dia após ter feito a sessão de nebulização, a paciente morreu. Ela também apresentou taquicardia antes do óbito, informa a direção-técnica do hospital.
Sobre os casos, o assessor jurídico do hospital afirmou: “Vamos comunicar ao Cremers e ao MP sobre esses fatos, para que eles possam apurar se essa conduta teve ou não relação com os falecimentos. E para que possam tomar medida cautelar para impedir esse tipo de prescrição”
Ele ainda afirmou que, no momento, a decisão do hospital é não impedir o tratamento experimental com Eliane quando as famílias expressarem o desejo de fazer isso, assinando o termo de conciliação.
Bolsonaro
Na segunda-feira (19/3), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) falou à Rádio Acústica, uma emissora local, sobre o tratamento precoce contra a Covid-19 e a chamada “nebulização da hidroxicloroquina”.
Bolsonaro, inclusive, citou o caso da médica Eliane Scherer, que também teria usado a técnica de nebulização da droga no tratamento do vereador e ex-prefeito de Dom Feliciano (RS) Dalvi Soares de Freitas. O político estava internado no Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã.
“Até conversei com a doutora agora há pouco, conversei com o vereador também, o vereador Dalvi, e ele falou que estava em uma situação complicada, sentindo a morte do lado. E a doutora falou muito humildemente que não é uma ideia dela a questão da nebulização. A primeira vez que eu ouvi falar disso foi lá no estado do Amazonas”, disse Bolsonaro.
“Agora, aqui no Brasil, a pessoa é criminalizada quando tenta uma alternativa para salvar quem está em estado grave – e quem está em estado grave e uma vez é intubado, chega próximo a 70% que não há mais retorno, vai a óbito”, prosseguiu o presidente, durante a ligação.
(com o Metrópoles)