A primeira-ministra Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, impõs um dos lockdowns mais severos do mundo. Havia ontem no país apenas um caso ativo — Foto: Mark Mitchell/Pool/AFP
Nova Zelândia, Islândia e Japão conseguiram o que parece impossível a países como Brasil ou Estados Unidos: contiveram a epidemia do novo coronavírus. Não apenas achataram a curva de contágio, mas a esmagaram por completo. Que lições tais países tem a nos ensinar?
Na Nova Zelândia, o último caso foi confirmado há dez dias. Há, segundo o Wall Street Journal, apenas um ativo, uma mulher diagnosticada em 1º de maio. Na Islândia, apenas dois haviam sido registrados até a metade de maio. No Japão, o número de casos diários caiu a 0,5 por 100 mil habitantes, atingindo a meta que permitiu ao governo suspender o estado de emergência no último dia 25, uma semana antes do prazo.
É verdade que os três países têm uma característica que os distingue: são ilhas, sem fronteiras terrestres por onde o vírus pudesse penetrar incógnito. Mas isso não explica tudo. A única fronteira terrestre da Coreia do Sul, com a vizinha Coreia do Norte, é talvez a mais fechada do mundo. A pseudo-insularidade não impediu o ressurgimento de casos nas últimas semanas. O mesmo aconteceu em Cingapura, outra ilha de fronteiras fechadas, embora mais próxima do continente.
O mais intrigante é que cada um dos três países adotou uma estratégia diferente contra o vírus. A Nova Zelândia implantou uma quarentena severa. O Japão jamais chegou a restringir o movimento de seus habitantes. O uso de máscaras se tornou praticamente uma norma entre os japoneses, mas é uma raridade entre os islandeses. Na Islândia, houve um rastreamento minucioso de contatos dos infectados e testes em massa na população. No Japão, nada disso foi implementado.
Cada país adotou uma estratégia própria. A neozelandesa seguiu o receituário canônico dos epidemiologistas. A premiê Jacinda Ardern implantou um dos lockdowns mais rigorosos do mundo. Desde o final de março, a população foi impedida de manter contato com qualquer um fora de casa por seis semanas. As fronteiras foram fechadas. Todo viajante era obrigado a ficar de quarentena.
A Islândia nunca chegou a implantar um lockdown, apesar de ter restringido atividades supérfluas, como danceterias ou salões de beleza. Ninguém foi obrigado a usar máscaras. Em vez disso, o país implantou um dos programas de testagem e rastreamento mais abrangentes do planeta. Até o dia 17 de maio, 15,5% da população islandesa havia sido testada, segundo reportagem na edição desta semana da New Yorker.
Outra inovação islandesa foi sequenciar o genoma do vírus de todos os infectados, para verificar a presença de mutações e o caminho do contágio. Com isso, os cientistas descobriram apenas dois casos em que uma criança contaminou um adulto – e o país se sentiu mais seguros para manter abertas creches e escolas primárias (hoje, secundárias e universidades já foram reabertas).
Ao mesmo tempo, o governo restringiu reuniões com mais de 20 pessoas e criou uma equipe de rastreamento de 52 pessoas, com o poder de pôr sob quarentena qualquer infectado descoberto. Foi crucial também ter começado cedo, logo que as primeiras notícias da pandemia surgiram na China. Resultado: 180 casos confirmados, uma única morte.
O exemplo mais enigmático é o Japão. Não houve lockdown nem quarentena. Não houve programa de testes em massa. Não houve o rastreamento sistemático de todos os infectados. Ainda assim, o número de casos diários caiu do pico de 743, em 12 de abril, para até 14 por dia no final de maio, de acrodo com reportagem na Science. Em um mês, os pacientes hospitalizados caíram de 10 mil para 2 mil. A estratégia japonesa se basou essencialmente no combate às aglomerações.
Estima-se que apenas 10% dos infectados sejam responsáveis por 80% das novas infecções. O Japão decidiu concentrar seus esforços nesses superdifusores. Descobriu que os principais centros de contaminação eram academias, bares, shows musicais, karaokês, restaurantes e eventos esportivos. A característica comum a todos é a aglomeração por longos períodos de tempo, com conversa ou cantoria.
O governo tomou medidas para que todos evitassem aquilo que, nas iniciais em inglês, ficou conhecido como 3Cs: espaços fechados, multidões e contatos próximos, com conversa cara a cara. Não foram descobertos focos de transmissão no transporte coletivo, onde a maior parte das pessoas fica quieta e passou a usar máscaras.
No início, a estratégia parecia ter dado errado. Os casos subiram, e o governo viu-se obrigado a implantar o estado de emergência a partir de 7 de abril. Desde então, houve uma campanha maciça para educar o público para o novo comportamento, longe das aglomerações. A adesão da população também foi maciça. Resultado: suspensão das medidas emergenciais a partir do último dia 14.
Aos poucos, o Japão começa a voltar ao normal. Eventos culturais com 100 pessoas já estão liberados. Na Nova Zelândia, também já são permitidas reuniões para até 100. Na Islândia, para até 50. Nenhum dos três países acredita ter vencido a batalha em definitivo. O risco de irrupção de novos focos obriga todos a manter a vigilância.
Os três exemplos mostram que estratégias diferentes podem ter sucesso no combate à Covid-19. Antes, porém, é preciso levar a pandemia a sério, em vez de recair em fantasias negacionistas, de acreditar em remédios milagrosos ou de desprezar a morte de milhares em nome de delírios ideológicos.
G1*