João Lourenço diz à DW que agora há uma oportunidade de combater a corrupção em seu país
Relatos de corrupção têm abalado Angola desde que o presidente João Lourenço assumiu o poder, em 2017, apesar das promessas de campanha para reformar a economia e combater fraudes no país africano.
No mais recente escândalo que vem ocupando as manchetes, Isabel dos Santos, conhecida como a mulher mais rica da África, foi acusada de usar a influência do pai, o ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, para ajudar a construir um império de negócios estimado em 2,1 bilhões de dólares (8,9 bilhões de reais). A suspeita veio à tona por meio de uma série de vazamentos de documentos, que ficou conhecida como “Luanda Leaks”.
No mês passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), com sede em Nova York, publicou uma coletânea de arquivos que supostamente mostram como Santos transferiu centenas de milhões de dólares de dinheiro público para contas no exterior. Os mais de 715 mil arquivos foram investigados por 120 repórteres em 20 países, incluindo Brasil e Alemanha.
Em entrevista exclusiva à DW, o atual presidente angolano falou pela primeira vez sobre o escândalo. João Lourenço disse que ninguém está isento na luta contra a corrupção em Angola e que “não se vai negociar” com pessoas que supostamente retiraram seus bens do país ilegalmente.
Filha do ex-presidente de Angola, Isabel dos Santos é acusada de enviar dinheiro público para fora do país
“Houve tempo, oportunidade de fazê-lo [negociar]”, disse Lourenço. “As pessoas envolvidas em atos de corrupção tiveram seis meses de um período de graça para devolver os bens que indevidamente retiraram país.”
Esses supostos acusados incluem Isabel dos Santos, filha mais velha do antecessor de Lourenço, José Eduardo dos Santos, que governou Angola por 38 anos.
Acusações após investigação
Os bens de Isabel dos Santos foram congelados em Angola. Em 22 de janeiro último, os promotores do país a acusaram de lavagem de dinheiro, tráfico de influência, gestão prejudicial, falsificação de documentos e outros crimes econômicos durante seu período como presidente da companhia nacional de petróleo, Sonangol, de 2016 a 2017.
Lourenço, no entanto, adotou uma perspectiva neutra sobre o caso, pelo menos em público. “É uma decisão da Justiça. Eu não sou o juiz”, disse o presidente, quando indagado se queria ver Isabel dos Santos atrás das grades.
Após as revelações do “Luanda Leaks”, Isabel dos Santos negou veementemente as acusações contra ela, afirmando que está sendo alvo de perseguição política.
Chance de mudança
Respondendo a críticas de representantes da oposição que disseram que o Judiciário de Angola ainda não é independente, Lourenço afirmou: “Talvez fosse assim no passado. Hoje não, hoje eles [o Sistema Judiciário] têm absoluta liberdade. Só isso justifica o fato de estar a haver ‘n’ casos de julgamentos diversos e particularmente nesta matéria contra a corrupção.”
Na entrevista, Lourenço falou sobre o período em que trabalhou no governo do ex-presidente e magnata José Eduardo dos Santos (como ministro da Defesa) e disse que continua comprometido com o combate à corrupção no país.
“Um presidente [dos Santos] que ficou quase 40 anos no poder. Ninguém podia dizer que não fazia parte do sistema. Todos nós fazíamos parte do sistema”, afirmou Lourenço. “Mas quem está em melhores condições de corrigir o que está mal e melhorar o que está bem são precisamente aqueles que conhecem o sistema por dentro. Isso foi assim em todas as revoluções, se assim quisermos chamar.”
“É precisamente pelo fato de eu ter assistido ao longo desses anos a esses níveis de corrupção, e por não concordar que a situação continuasse, que hoje estamos a combater aquilo que vimos ao longo de décadas”, disse o chefe de Estado. “Hoje temos a oportunidade de mudar esse estado das coisas, pensamos que é o momento de fazê-lo.”
Angola conquistou a independência de Portugal em 1975 e foi posteriormente abalada por uma guerra civil na qual as partes envolvidas foram apoiadas por potências rivais da Guerra Fria. O país possui importantes reservas de petróleo e minerais, mas essas têm beneficiado apenas uma pequena parcela da sociedade.
DW