Britânico de ascendência síria atropela e esfaqueia membros da comunidade judaica, em frente a templo, em Manchester (norte), antes de ser abatido pela polícia. Duas pessoas morrem e quatro ficam gravemente feridas. Vizinho fala ao Correio

O Yom Kippur, dia mais sagrado para os judeus, foi de horror para os frequentadores da Heaton Park Hebrew Congregation, uma sinagoga localizada no bairro de Crumpsall, em Manchester (norte da Inglaterra). Às 9h31 (5h31 em Brasília) desta quinta-feira, um homem lançou o carro que dirigia contra um grupo de pedestres que estava do lado de fora do templo, na Middleton Road. Depois, desceu do veículo, prosseguiu o ataque utilizando uma faca e tentou invadir a sinagoga. O rabino Daniel Walker conseguiu improvisar uma barricada e impedir que o suspeito invadisse o prédio, lotado de membros da congregação. O atentado matou dois integrantes da comunidade judaica e feriu gravemente quatro. As forças de segurança demoraram apenas sete minutos para chegar ao local da ocorrência. As autoridades do Reino Unido anunciaram que investigam o caso como “terrorismo” e divulgaram a identidade do extremista: Jihad Al-Shamie, 35 anos, um cidadão britânico de ascendência síria.
Um vídeo divulgado pelas redes sociais mostra dois policiais apontando as armas para o homem, deitado no chão. Um dos agentes grita com pedestres, que observavam a cena do outro lado da grade: “Todo mundo, afaste-se, ele tem uma bomba, vão embora!”. Atrás de um carro, junto à calçada, um idoso aparece caído em meio a uma poça de sangue. Ao tentar se levantar, o suspeito é executado pelo policial. No fim da tarde de ontem, a Polícia da Grande Manchester também informou as prisões de três pessoas — dois homens por volta dos 30 anos e uma mulher de cerca de 60 — suspeitas de “cometer, preparar e instigar atos terroristas”.
Vizinho da sinagoga, o jornalista Josh Aronson, 39 anos, contou ao Correio que escutou tiros e as sirenes de ambulâncias. “Moro do outro lado da rua e imediatamente percebi que algo estava acontecendo. Corri para fora do meu apartamento e recebi ordens das autoridades de não voltar. Neste momento, estou na rua”, afirmou, 11 horas depois do ataque. “Esta é a sinagoga em que rezo com frequência. O atentado criou um imenso choque na comunidade judaica. Nunca imaginei que algo assim ocorreria na porta de minha casa. Como é uma data sagrada,muitos judeus se distanciam do celular e se dedicam às orações.” Durante o Yom Kippur, chamado de Dia do Perdão ou Dia da Expiação, os judeus se abstêm de comida e bebida, não lavam nem untam o corpo, não usam calçados de couro e praticam abstinências sexual.
De acordo com Aronson, o rabino Daniel Walker parecia chocado, mas bem. “Ele tinha manchas de sangue na túnica usada durante as orações. O rabino é uma pessoa incrível, um cara realmente ótimo e honrado, que se doa para a comunidade. Além de ser um líder religioso, ele mantém um projeto que oferece moradia a pessoas necessitadas. Também encampa o diálogo interreligioso entre judeus e pessoas de outros credos”, disse o jornalista.

Em pronunciamento à nação, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, admitiu estar “horrorizado” e declarou que “um indivíduo desprezível cometeu um ataque terrorista contra judeus apenas por serem judeus”. “Foi um ataque ao Reino Unido, por causa de seus valores. Muitos judeus escolheram essa nação como um local de refúgio, fugindo do pior mal infligido ao seu povo. (…) A cada pessoa judia neste país: promete que farei de tudo ao meu poder para garantir a segurança que vocês merecem”, afirmou. Starmer avisou que o Reino Unido vencerá o “auge” do antissemitismo. “Não é um ódio novo, é algo que os judeus sempre experimentaram. Devemos ser claros: é um ódio que volta a crescer e devemos vencê-lo mais uma vez”, comentou. Por sua vez, o rei Charles III revelou-se “profundamente chocado”.
“Fraqueza”
Por sua vez, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, divulgou comunicado em que lamentou o “bárbaro atentado terrorista” em Manchester e responsabilizou, indiretamente, Starmer. “Como alertei na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas: a fraqueza diante do terrorismo apenas traz mais terrorismo. Somente a força e a unidade podem derrotá-lo.” O ataque em Manchester também ocorreu a apenas cinco dias do segundo aniversário do massacre de 7 de outubro de 2023 e do início da guerra na Faixa de Gaza.
EU ACHO…
“O terrorista escolheu o dia de Yom Kippur, quando os judeus de Machester e de todo o mundo praticam o jejum e o arrependimento, além de orarem. Eu diria que os desdobramentos no Oriente Médio afetam o aumento no ódio contra os judeus. É algo que, definitivamente, tem um envolvimento com o que ocorreu aqui.”
Josh Aronson, 39 anos, jornalista, vizinho e frequentador da sinagoga atacada, em Manchester
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Radicalização sintomática
“O ataque com faca e veículo contra uma sinagoga judaica no Reino Unido não é nenhuma surpresa. Tanto a islamofobia quanto o antissemitismo cresceram exponencialmente após o massacre liderado pelo Hamas no sul de Israel, que matou 1.200 pessoas e fez 251 reféns, desencadeando uma guerra devastadora. A relutância do Hamas em libertar os reféns, a resposta esmagadora do Exército israelense e os crescentes protestos radicalizaram ainda mais as comunidades no Reino Unido e em outros lugares.
O atentado ocorreu no Yom Kippur e enviou uma mensagem direta à comunidade judaica e ao governo israelense. Em resposta, Israel receberá apoio significativo de governos, especialmente ocidentais, para combater a ameaça do terrorismo, tanto no país quanto no exterior. Enquanto a islamofobia e o antissemitismo não forem controlados nos mundos virtual e físico, tanto a radicalização quanto a radicalização recíproca impulsionarão esse ciclo de ódio e violência.
Tais ataques se tornarão mais comuns até que o Hamas e seus aliados sejam desmantelados, seus patronos sejam incapacitados ou dissuadidos, as preocupações de segurança israelenses e as aspirações palestinas sejam atendidas, e a guerra chegue ao fim.”
Rohan Gunaratna, editor do Handbook of Terrorism in the Middle East (“Manual do Terrorismo no Oriente Médio”)