*Frutuoso Chaves
Saudade do velho Mário Moacyr Porto neste 5 de agosto, data de comemoração do aniversário de João Pessoa, a Capital da Paraíba, Falei dele, tempo atrás, no finado “Jornal da Paraíba”, com pauta da editora Nara Valuska.
Foi matéria que ressuscitou um bate-papo mais antigo para a Revista “A Carta” ocorrido na casa do também saudoso Josélio Gondim. Todos já se foram: Mário, Josélio e ambas as publicações. Tempo cruel este que mata amigos, revistas e jornais.
Mas vamos ao assunto. Falava o velho Mário dos bons tempos da adolescência e da Festa das Neves. O homem com passagens admiráveis pelo mundo jurídico, empresarial e cultural (foi reitor da UFPB, dirigente da mineradora Tomaz Salustino e desembargador) expressava-se, na ocasião, com os olhos e a emoção dos 15 anos. Foi bem interessante vê-lo nesse reencontro com a juventude. Eis o que me disse:
– Quando eu tinha 15 anos e morava em João Pessoa, as mulheres, as casadas e as mais novas, desfilavam, muito elegantes, todas com chapéus, na antiga Rua Nova (hoje General Osório). Por essa época, eu sofri minha primeira desilusão amorosa. Era tempo da Festa e dos jornais de estudantes. Uma moça de quem eu gostava nada queria comigo e me trocou por um pianista. Fui até o dr. Américo Falcão, diretor da Biblioteca Pública e poeta conceituado. Pedi que ele fizesse uns versos a fim de que eu pudesse publicá-los como se fossem meus. Eu queria algo que começasse assim: “Não estou ligando importância a quem não gosta de mim”. Era o despeito nas suas manifestações mais ridículas. E o dr. Américo escreveu: “Um trovador que padece/disse numa trova dolente:/a gente nunca esquece de quem se esquece da gente./Não creio em tal e ofereço/esta verdade sem fim:/o mais depressa me esqueço/de quem se esquece de mim”. Depois disso, ele botou Mário Moacyr Porto embaixo. Publiquei o poema que fez um sucesso danado. Vejam só a minha desonestidade intelectual.
Mas nem sempre os jornais de estudantes, com circulação nos pavilhões e barracas, serviam a propósitos tão cândidos. Também serviam a insultos e ao deboche de figuras públicas. O mesmo Mário Porto narrou esse episódio:
– Havia um delegado pequenino. Costumava fumar charutos e o povo o apelidava: “Lá vem um charuto fumando dr. Péricles”. Publicamos a quadra: “O dr. Péricles de Melo/bacharel Jeca Tatu/quando é tu escreve vós/e quando é vos escreve tu”. Deu uma confusão desgraçada e ele foi até a gráfica de A União, onde imprimíamos o jornal, para tomar satisfações. Decidimos apontar como autor da quadra um sobrinho do presidente João Pessoa, Abelardo Pessoa, que levou a culpa sem merecê-la. Mas a importância do nome fez o homem serenar e dar o caso por encerrado.
Essa, agora, eu colhi em outra fonte, a da leitura. O missionário metodista americano Daniel Parish Kidder conheceu a Festa das Neves, em agosto de 1839. E detestou o que viu. Escreveu ele no livro “Reminiscências de viagens e permanência no Brasil”:
“Terminada a novena, todo o povo acorria ao campo para apreciar os fogos de artifício que se queimavam desde as nove horas até depois de meia-noite. Os que tivemos ocasião de ver eram muito mal feitos. Não obstante, o povo se pasmava e aplaudia freneticamente. Se se tratasse de divertimento para africanos ignorantes, seriam mais compreensíveis essas funções, mas, como parte de festejos religiosos celebrados em dia santificado e com a presença entusiástica de padres, monges e do povo, temos que confessar francamente que nos chocou bastante e teria sido melhor que não os tivéssemos presenciado”. Protestante e racista, Kidder havia aqui desembarcado em missão patrocinada pela Sociedade Bíblica Americana. O homem vendeu Bíblias por todo o País e teve papel de destaque nos primórdios do protestantismo brasileiro.
A bem da verdade, a cidade por inteiro o desagradou, à exceção da paisagem descortinada da chácara de um habitante de origem inglesa, de quem o atual bairro do Roger tomou o nome. Chegou a recomendar, nos seus escritos, o uso de mosteiros e conventos católicos como espaço de melhor proveito para o povo. Que servissem como escolas, por exemplo. A insuficiência de estradas, além do fabrico e consumo de cachaça não escaparam de suas críticas. Falava de uma cidade que, à época, possuía cerca de 2 mil casas e 9 mil habitantes. Tempos idos.
Na ilustração, a cidade assim retratada por Frans Post, o mais importante pintor holandês a serviço da comitiva de Maurício de Nassau, apenas 52 anos depois da fundação. É tela pertencente ao Museu do Louvre, em Paris.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).