*Frutuoso Chaves
“Cai, cai, tanajura, que é tempo de gordura”. Sabem não? Pois bem, era o grito de guerra da meninada que, aos bandos, latinhas nas mãos, saía à cata de formigões alados nos invernos da minha e de muitas infâncias. Enquanto estivessem no ar, aqueles bichos de pinças ameaçadoras e bundas gordas escapavam da captura.
Formigas, sim, e das graúdas. Chuvas no horizonte, elas emergiam dos ninhos e, em passe de mágica, ganhavam asas para correr o mundo. O propósito era o acasalamento no ar, a fecundação e a postura dos ovos o mais distante possível dos buracos onde se enfiaram as rainhas das quais nasceram.
Então, não seria pela queda que os meninos e meninas torciam, mas pelo pouso certo e deliberado de cada uma delas. Já no chão, não fossem pegas, livravam-se das asas e cavavam buracos novos para a formação de colônias nas quais reinariam, a exemplo das mães.
Ninguém dava bolas para os zangões, seus maridos, criaturinhas mirradas vindas a este mundão de Deus com destino traçado: o de crescer, acasalar e morrer. Não se sabe de um que tenha conhecido a própria ninhada. Morriam todos antes disso, total e completamente desapercebidos. O fato é que não havia quem por eles se interessasse. Nem a rainha-mãe nem a garotada com suas latas porquanto não tinham a bunda gorda.
As rainhas, sim. Estas eram catadas antes que se enfiassem na terra para a postura dos ovos. Com as latinhas cheias pela boca aqueles bandos alegres tomavam o rumo das cozinhas para o preparo da farofa feita com óleo, sal e bunda de formiga.
Não gostei daquilo quando consegui superar o nojo, animado que fui por uns amigos da Rua da Lagoa, reduto na pequena Pilar de lavadeiras e louceiras. O cheiro da fritura já me incomodava.
“Uns selvagens”, reclamava dona Guajarina, a secretária da Prefeitura, ante a matança, a fritura e o banquete de insetos na trempe dos pobres de Jó. Solteirona, a exemplo da irmã, costumava ser tomada como símbolo de bom gosto e distinção. Foi dela o primeiro piano que vi na vida. Se eu já não a houvesse conhecido, talvez tivesse gostado de formiga.
E aqui estou insone, em plena madrugada, a lembrar da dona Guajarina e do hábito de se comer tanajuras por ela abominado. Mas a culpa é de um videozinho no Youtube para onde o acaso me levou. Espantaram-me as 300 mil visualizações da coisa. Logo fiquei sabendo que os protagonistas – um casal de sitiantes com filhas e parentes por perto – têm mais de um milhão de seguidores. O que eles põem no ar é o cotidiano da roça: a lavoura de milho e fava, a lida com vacas, porcos e galinhas, a criação de tilápias, a casa de farinha, o preparo de doces e canjicas. Ah, sim, e o de farofa com tanajuras.
Dona Guajarina e os seus mudaram-se para Recife quando eu ainda não me entendia por gente. Soube, muito tempo depois, que ela e a irmã conseguiram emprego federal bem remunerado e que faziam visitas a Paris.
Gosto de pensar que frequentavam o três estrelas L’Astrance, o La Festin Nu, o Chez Mushi e outros restaurantes metidos a besta a fim de pagar os olhos da cara por pratos de formigas, gafanhotos e escorpiões. “Fourmis frites”, justificariam tal despesa, então, aquelas duas absolutamente convictas, elas e seus narizes empinados, de que o idioma, o lugar e as circunstâncias valeriam a pena.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).