*Nelson Valente
O ingresso do Brasil ao Primeiro Mundo não pode se cingir a um exercício de retórica. Deve ser algo muito mais consistente, que passa pelos cuidados com a educação, a ciência e a tecnologia. Se investirmos apenas 0,5% do Produto Interno Bruto em Ciência aí está o sintoma claro de que nos distanciamos de nações mais desenvolvidas, como é o caso da Coréia do Sul, que hoje coloca 2% do seu PIB em pesquisa científica e tecnológica. Com um pormenor notável: 70% desses recursos são oriundos da iniciativa privada, que acredita nesse investimento, o que infelizmente não ocorre entre nós.
A quase totalidade dos nossos fracos investimentos na área são devidos a recursos federais, colocados à disposição das universidades. Não se deve desconsiderar o valor dos recursos hoje aplicados no Brasil aos setores de desenvolvimento científico e tecnológico. São 2,4 bilhões de dólares, resultado das muitas campanhas realizadas e da aquisição de uma consciência generalizada a respeito da sua importância. Mas é também claro que estamos muito longe dos recursos ideais. Veja o caso dos EUA: as universidades americanas disporão este ano um orçamento de 158 bilhões de dólares, mais da metade para projetos de pesquisa básica. Por aí se entende porque cientistas americanos venceram 207 dos 528 Prêmios Nobel distribuídos desde 1901. Quando se coloca a questão da inserção do Brasil no clube do Primeiro Mundo, gostaria de deixar claro o meu ponto de vista: entrar no Primeiro Mundo não significa vencer a corrida tecnológica, mas acompanhá-la. Um país pertence ao Primeiro Mundo quando contribui para o desenvolvimento da humanidade como um todo.
O Brasil poderia estar dedicando maior atenção ao desenvolvimento de vacinas contra a meningite do tipo B e o dengue. No primeiro caso, temos importado vacinas de Cuba, gastando milhões de dólares, quando isso poderia estar sendo feito em nossos próprios laboratórios, com economia e eficiência. O mesmo pode ser dito em relação à genética.
O nosso país tinha resultados apreciáveis, em nível mundial, nas décadas de 50 e 60, mas por falta de apoio a nossa presença foi definhando, tornando-se hoje secundária. A origem da falha encontra-se no sistema escolar (“a escola está preocupada em ensinar – e não fazer o aluno aprender”).
A escola quer formar os cidadãos médios, mas é preciso valorizar os bons alunos, aqueles que irão compor as elites científica e intelectual, de onde são extraídos os elementos capazes de sustentar a liderança em setores determinados do conhecimento ou do pensamento. Há exemplos internacionais do que deve ser feito, como é o caso da Bronx School of Science (NY), que trabalha com alunos superdotados para o ensino de Ciências. Eles são estimulados, por mestres competentes, em laboratórios devidamente apetrechados, para que se ampliem as suas possibilidades de acesso a outros patamares da ciência moderna. As nações desenvolvidas agem dessa forma.
Estamos diante da irreversibilidade da lei da educação brasileira. Não custa, pois, acentuar alguns aspectos que poderiam ter merecido melhores definições, como é o caso da educação especial, tratada de modo superficial. É muito grande, no Brasil, o número de deficientes visuais, auditivos, motores e psicológicos, todos merecendo na escola os cuidados que são dispensados, com tanto carinho, nas nações mais desenvolvidas.
Por outro lado, no caso da educação infantil (de 0 a 6 anos de idade) não basta a simples referência que se faz no instrumento legal. Não temos tradição no trato dessa faixa etária, de resto entregue à iniciativa privada, portanto inacessível, dado os seus custos, às camadas mais pobres da população.
Quando na LDBEN/9394/96 – se fala em superdotados há apenas uma referência no artigo 58.
Sabe-se que o Brasil tem cerca de 4 milhões deles, o que configura uma imensa potencialidade entregue à própria sorte. Se Israel pôde criar um Instituto para Superdotados, em que se faz uma apropriada educação complementar, por que não se pode pensar o mesmo entre nós?
Outro fato a merecer destaque: o grande número de alunos da rede pública que se encontram prejudicados pela distorção idade-série (mais de 80% do efetivo existente). Isso causa enormes prejuízos ao aprendizado e precisa ser considerado quando se vai partir para inovações pedagógicas.
Somos partidários igualmente de uma grande valorização da educação ambiental, prevista na Constituição Federal de 1988, de forma inédita no mundo. Não se tem notícia de nenhum outro país que determine, em sua Carta Magna, a adoção dessa disciplina. E finalmente cabe ainda um registro sobre o ensino médio, que é responsabilidade dos Estados.
A valorização tecnológica não deve ser descartada das nossas preocupações. A profissionalização nesse nível pode ser um poderoso antídoto à onda de desemprego, São aspectos que, na implementação da LDBEN/96, talvez devam ser corrigidos por intermédio da legislação complementar e das ações a serem desenvolvidas pelos sistemas estaduais e municipais de educação.
Somos ao mesmo tempo vítimas da doença ou de suas consequências, testemunhas, observadores, analistas, torcedores e atores, com responsabilidades relacionadas à prevenção, ao cuidado, ao estudo e à mitigação do sofrimento, agora e dos desdobramentos ainda imprevisíveis, no futuro. Somos também os propagadores, relevantes na medida do acaso e de atitudes imprudentes ou negligentes. Não é demais lembrar que também a indução de atitudes alheias, decisões políticas, interações e omissões pesam e permanecerão sobre nossos ombros. Enquanto muitos se esforçam para obter e entender informações, descrever as infindáveis dimensões do problema, desenhar cenários e apontar caminhos, a paisagem muda a cada instante. Haverá muita matéria-prima para os historiadores do futuro.
A pandemia compõe-se de inumeráveis surtos e epidemias, dores individuais e familiares, semelhantes nos aspectos biológicos e incomparáveis em outros sentidos.
Impossível pensar que uma grande epidemia seja tratada como um tema específico da saúde. É um evento que afeta de maneira profunda a vida das pessoas, as atividades e relações, pode desencadear mudanças que marcam a história. As respostas envolvem a sociedade como um todo e diversos setores governamentais.
Recessão econômica, desemprego e a espetacularização da luta contra a corrupção foram os principais componentes da cena nacional. Nas eleições de 2018, aprofundou-se a polarização da sociedade, que marcou o período seguinte e persiste até agora. Esses componentes, apenas sobrevoados neste texto, têm relevância na construção de versões, na disputa de ideias, interpretações e propostas que se apresentam ante a emergência sanitária
Não temos outra saída senão seguir os seus passos. O verdadeiro desafio são esforços de desinformação maciços e bem financiados que publicam deliberadamente notícias falsas para confundir o público. Atores desonestos – incluindo governos e organizações apoiadas por doadores bem financiados e propensos a conspirações e charlatanismo – são responsáveis por injetar dúvidas sobre a ciência médica bem estabelecida e promover teorias e explicações selvagens sobre a causa e o tratamento de doenças.
Os desentendimentos a que nos referimos são verificados não exatamente pela carência de informações, mas muitas vezes pelo seu oposto, ou seja, pelo excesso de informações. Informações falsas (fake-news) alimentam a cisão e confundem-se com a própria decisão do Governo Federal de dificultar o acesso a informações. A negação da gravidade da situação e a inexistência de um plano nacional de ação são mais exuberantes no momento em que o país se torna um dos epicentros da pandemia de Covid-19.
Até quando?
*Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.