Para Nancy Andrighi, havia ‘real e séria probabilidade’ de autores vencerem o caso, mas advogados não se habilitaram na ação
A inação da defesa ao deixar um processo tramitar à revelia, o que acabou levando os clientes a terem de pagar quase R$ 1 milhão, resultou em uma condenação de R$ 500 mil de três advogados e do escritório Lini & Pandolfi Advogados Associados pela perda de uma chance, em caso julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Agora, a banca de advogados tenta provar que o recurso não deveria ter sido admitido pelo STJ por vícios de admissibilidade e que só teve conhecimento sobre o processo inicial após a condenação.
Segundo a teoria da perda de uma chance, originada no Direito francês, deve ser responsabilizado civilmente quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de obter certo benefício. Por causa da atitude de alguém, a prejudicada é impedida de buscar posição mais vantajosa, que poderia conseguir se não fosse esse empecilho. O STJ tem jurisprudência firmada sobre o tema.
O escritório de advocacia havia sido contratado para atuar em uma reclamação trabalhista pelos autores desse recurso julgado procedente pelo STJ. Posteriormente, um novo advogado foi incluído no processo. Depois da ação trabalhista, a banca e o advogado teriam sido incumbidos de representar o mesmo cliente em uma ação de prestação de contas ajuizada pela empresa que era processada na reclamação trabalhista.
“O processo tramitou por quase três anos sem que os patronos constituídos, cientes da demanda, houvessem sequer se habilitado nos autos, deixando, inclusive, de recorrer da primeira fase da ação de prestação de contas, de apresentar impugnação no âmbito da segunda fase e de se manifestar sobre a perícia realizada”, escreve a relatora da ação no STJ, ministra Nancy Andrighi.
O escritório justifica que não se mexeu por não saber que a ação estava em andamento. Isso porque a contratação da defesa teria se dado com um ex-advogado do escritório, de maneira particular, e sem comunicação à banca – o que teria tornado impossível que os advogados do escritório agissem.
“Em certo momento, o autor recebeu uma citação e acionou o advogado pelo e-mail pessoal dele, e não do escritório. Não foi feito um contrato de honorários conosco, e para mostrar a relação havia apenas uma procuração, que é unilateral e poderia ser feita por qualquer um”, diz Marcelo Duarte, advogado do Lini & Pandolfi que representou o escritório e os sócios processados. Ele conta que, por não haver quaisquer provas sobre a relação direta do escritório, eles não conseguem acionar o seguro sobre responsabilização civil.
Ao configurar a existência da perda de uma chance, a ministra entendeu que os autores possuíam recibo de total quitação relativo à rescisão do contrato objeto da ação de prestação de contas, documento que, em tese, “indica a real e séria probabilidade de se sagrarem vitoriosos na referida ação ou, ao menos, de obterem uma situação mais favorável do que a que, de fato, obtiveram”.
Nesse ponto, a banca de advogados também diverge. “Naquela ação de prestação de contas, foi realizada uma perícia, que apontou divergência nas contas. Para que houvesse, de fato, a perda de uma chance seria importante também demonstrar que a ação de prestação de contas seria improcedente. Um mero recibo de quitação não obsta a continuidade do processo”, afirma Duarte.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) havia entendido não ser o caso da aplicação da perda de uma chance, tampouco de ressarcimento dos clientes por danos materiais, mas havia fixado uma indenização por danos morais de R$ 150 mil. Já a 3ª Turma do STJ afastou os danos morais por entender que não houve violação de direitos de personalidade no caso, mas julgou estar configurada a perda de uma chance.
O cálculo da indenização de R$ 500 mil levou em conta o grau de responsabilidade dos advogados e as chances de vitória se eles tivessem atuado no caso. “Não se está diante de defesa tempestiva, porém deficiente, mas sim de total ausência de defesa. A chance de se defender e de ver mitigados os seus prejuízos, tomada como bem jurídico, é que foi subtraída dos autores”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora.
Apesar das discordâncias em relação ao mérito, a expectativa do escritório é que a condenação seja revertida na análise dos embargos de declaração em relação a vícios na admissibilidade do recurso especial. O argumento é de que o mérito nem deveria ter sido julgado.
“A relatora postergou a análise da admissibilidade. No acórdão, esse ponto não é citado. Os casos citados pelo autor como paradigmas têm vícios formais: em um dos casos, é citado um voto vencido; em outro, o número do processo não existe; no seguinte, não há data de julgamento. Não sei como vão superar algo tão evidente”, diz o advogado Duarte.
Em último caso, se o processo tiver trânsito em julgado, o escritório pretende fazer uma ação de regresso contra o advogado que teria agido de forma isolada, para que ele assuma a responsabilidade e o pagamento da indenização.
A decisão se deu no REsp 1.877.375.