Na quinta-feira (07/10), o advogado Tadeu Frederico de Andrade, de 65 anos, depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19. Ele detalhou, diante dos parlamentares, o que passou enquanto esteve internado em uma unidade da Prevent Senior.
“Sou um sobrevivente dessa trama macabra. Isso é uma coisa horrível”, diz Tadeu à BBC News Brasil.
Ele foi convocado à CPI para ser ouvido como testemunha. A comissão passou a investigar a operadora de saúde após denúncias de médicos que trabalharam na empresa durante a pandemia.
Um dossiê feito por 15 médicos acusa a empresa de ocultar mortes pela covid-19, pressionar profissionais de saúde para a prescrição de remédios sem eficácia comprovada contra a doença e usar seus hospitais como “laboratórios” para estudos com medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença (leia mais aqui). A Prevent Senior nega as acusações.
Tadeu afirma ter sido uma das vítimas da Prevent Senior. Ele conta que chegou a ser medicado com flutamida, remédio usado contra o câncer de próstata e que não tem eficácia contra a Covid-19. O advogado diz que, após um mês de internação, a equipe do hospital indicou que ele passasse a receber somente cuidados paliativos, sob o argumento de que ele era um paciente em estado terminal.
Os cuidados paliativos são adotados para aliviar dores e outros sintomas para melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças graves, incluindo aqueles com possibilidades de cura ou em fase terminal.
No caso de Tadeu, segundo a família dele, uma médica informou que não havia mais alternativas para curá-lo. Por isso, de acordo com o relato, encaminhá-lo para cuidados paliativos implicaria em deixá-lo sedado, com os aparelhos desligados e sem possibilidade de reanimação se houvesse uma parada cardíaca.
“O aspecto disso tudo é financeiro, não é médico ou muito menos humanitário”, diz o advogado.
O que diz a Prevent Senior
Sobre o caso de Tadeu, a Prevent Senior diz, em nota à BBC News Brasil, que não pode comentar especificamente sobre o atendimento prestado a ele “por razões legais”. Porém, afirma que “todas as condutas médicas foram e continuam sendo tratadas com o paciente ou a família”. A empresa argumenta que “jamais o paciente foi submetido a qualquer tratamento para evitar custos”.
Desde que as acusações contra a operadora vieram à tona, a Prevent Senior tem negado que tenha cometido qualquer irregularidade nos atendimentos durante a pandemia. Os responsáveis pela Prevent alegam que o dossiê feito por médicos contra a operadora de saúde é fruto de dados roubados e manipulados.
Em nota no fim de setembro, a empresa afirmou que as denúncias são “sistemáticas e mentirosas” e disse que pediu que o caso seja investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
O caso do Tadeu
Os primeiros sintomas de Covid-19 de Tadeu apareceram em 24 de dezembro passado, segundo ele.
No dia seguinte, fez uma teleconsulta pela Prevent Senior, plano do qual é cliente há cerca de oito anos.
“Essa teleconsulta durou uns 10 minutos. Eu falei o que tinha, e a médica disse que iria me mandar um protocolo preventivo. E depois eu recebi o ‘kit covid’ por um motoboy”, relata o advogado.
Nesse “kit covid”, segundo ele, havia medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, sem eficácia comprovada contra a doença, além de vitaminas e proteínas.
“Me receitaram esses remédios mesmo sem diagnóstico preciso. Fiz o exame e tive resultado positivo para a Covid-19 quando eu já estava tomando esses remédios”, diz Tadeu.
Ele diz que não viu resultados positivos com o uso dos medicamentos do “kit covid”. “Eu só estava piorando”, afirma.
Em 30 de dezembro, no quinto dia em que estava consumindo os remédios, ele foi a um hospital da rede Sancta Maggiore, da Prevent Senior, em São Paulo (SP).
Tadeu passou por exames que apontaram que, além da doença causada pelo coronavírus, ele estava com uma pneumonia bacteriana associada à Covid-19.
O advogado foi internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e logo foi intubado.
“Quando cheguei ao hospital, já estava com cerca de 50% da capacidade pulmonar comprometida, segundo a médica”, conta.
“Alguns médicos me disseram depois que se eu tivesse sido internado desde o início, se na primeira teleconsulta tivessem me dito para procurar um pronto-socorro e verificassem a pneumonia, talvez eu pudesse até ser tratado com antibiótico em casa”, diz o advogado.
Ele alega que foi alvo de tratamento experimental, sem autorização da sua família, com flutamida enquanto estava na UTI.
Conforme médicos que atuaram na Prevent Senior, o uso desse remédio contra a Covid-19 foi cobrado por médicos da direção da operadora.
O dossiê elaborado pelos médicos que atuaram na operadora diz que tratamentos por meio da flutamida, ozonioterapia, heparina inalatório e o “kit covid” eram experimentos nos quais os pacientes com Covid-19 teriam sido usados como “cobaias humanas”, mesmo sem terem consentido com essa prática.
A acusação de uso indevido de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19 na Prevent Senior faz parte de uma das investigações do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que criou uma força-tarefa para investigar os relatos contra a operadora de saúde.
Desde que o caso veio à tona, a Prevent Senior tem negado as acusações. A empresa afirma que “dá aos médicos a prerrogativa de adotar os procedimentos que julgarem necessários, com toda a segurança e eficiência e sempre de acordo com os marcos legais, notadamente seguindo as diretrizes do Conselho Federal de Medicina”.
Os familiares de Tadeu detalham que em 28 de janeiro, quando havia quase um mês que ele estava na UTI, um médico ligou para eles e informou que o paciente apresentava melhoras.
Mas em 30 de janeiro, segundo os familiares do advogado, uma médica informou que o paciente estava em estado gravíssimo e não apresentava melhoras. Em razão disso, passaria a receber cuidados paliativos para “proporcionar mais conforto e dignidade” e disse que “o óbito aconteceria em alguns dias”.
“A minha filha não concordou. Ela não sabia muito bem o que eram cuidados paliativos, mas quando disseram que o óbito aconteceria em poucos dias, ela acendeu um sinal vermelho e não aceitou. Ela pediu pra falar com os meus outros dois filhos, mas naquele momento não aceitaria”, conta Tadeu.
Os filhos do advogado dizem que a permissão para cuidados paliativos foi colocada no prontuário sem o consentimento deles.
Ainda na tarde do dia 30, a família de Tadeu fez uma reunião com médicos da Prevent Senior.
Nesse momento, segundo os parentes, os filhos frisaram que não autorizariam o tratamento paliativo proposto pela empresa e disseram que procurariam a Justiça caso o paciente não continuasse na UTI.
Durante a reunião, dizem os familiares de Tadeu, os médicos concordaram que ele permaneceria na UTI com todo o suporte necessário.
Na mesma data, a família dele contratou um médico particular para supervisionar os procedimentos feitos pela Prevent Senior.
“Fizeram isso por medida de segurança, depois de tudo”, justifica Tadeu.
Esse médico, conforme o advogado, apontou que não havia qualquer motivo que justificasse que o paciente fosse avaliado como uma pessoa em fase terminal.
Tadeu conta que ficou internado no hospital da Prevent Senior por quatro meses – sendo cerca de dois meses na UTI e os outros em uma clínica para recuperação das sequelas da doença.
“Fiz fisioterapia porque não conseguia andar e, aos poucos, fui me recuperando”, diz.
Ele ficou mais 90 dias em tratamento em casa. Hoje, diz que se considera recuperado e que a vida voltou ao normal.
“Fiz exames recentes e não tenho sequelas nos pulmões. Na época da Covid, cheguei a fazer mais de 10 hemodiálises, mas agora não tenho mais nenhuma sequela nos rins. Agora já consigo caminhar, fazer esteira, dirigir e trabalhar”, comenta.
O depoimento na CPI
Tadeu foi ouvido pela CPI da Covid-19 como cliente da Prevent Senior. Ele diz que chegou à comissão após contar ao senador Otto Alencar (PSD-BA), membro da CPI, o que vivenciou com a operadora.
“No princípio, eu não sabia se poderia falar sobre o meu caso na CPI. Mas quando o senador Otto Alencar falou sobre cuidados paliativos em relação à Prevent Senior, tomei vontade e falei que era a hora. A minha filha escreveu sobre a minha história para ele, uma assessora dele me respondeu e começamos a conversar”, conta. “Me coloquei à disposição para falar sobre o meu caso”, completa o advogado.
Tadeu considera que esse é apenas um dos passos que tomará para atribuir responsabilidade à Prevent Senior.
O advogado conta que denunciou o caso ao MP-SP e encaminhou os documentos da sua internação para a força-tarefa do Ministério Público que apura as suspeitas sobre a Prevent Senior. Ele ainda não teve resposta oficial do órgão.
Além da CPI no Senado e do MP-SP, a operadora de saúde também é alvo de apurações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – que regula o setor de planos de saúde – e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Tadeu espera que as apurações apontem se outras pessoas também foram vítimas de situações semelhantes à sua.
“Acho que muita gente pode ter morrido desnecessariamente. E o pior, morreu com a família achando que estava fazendo o certo, porque ligam falando que vão dar uma morte mais tranquila e dignidade com os tratamentos paliativos. Te matam porque querem economizar dinheiro”, diz.
“A sensação que me deu, quando eu me recuperei e soube o que aconteceu, foi de que iriam me matar porque eu estava dando prejuízo. Me viram como um problema para o plano”, afirma.
Ele diz que entrou no portal da Prevent Senior, após se recuperar, e descobriu a altíssima quantidade de exames a que foi submetido enquanto esteve internado.
“Isso fora procedimentos como intubação e hemodiálise. Olha o prejuízo que é um paciente ficar pelo menos 30 dias na UTI. Então, aí vem a minha conclusão: o paciente nessa pandemia foi visto como uma variável de alto risco para o plano. Mas banalizar os cuidados paliativos foi uma total falta de ética”, declara Tadeu.
Na nota enviada à BBC News Brasil, a Prevent Senior afirma que “jamais o paciente foi submetido a qualquer tratamento para evitar custos”. (BBC BRASIL)