Maria José Rocha Lima*
A mestra em solidariedade e justiça Siomara Vitorino Gomes da Silva foi minha chefe na Secretaria de Educação, para onde eu tinha ido pagar pena por ser agitadora no movimento dos professores. Ela era casada com um militar e famosa por ser amicíssima do ex- deputado federal e secretário de Educação Eraldo Tinôco e sua esposa, a professora universitária Clélia Tinôco. Na Bahia, quando querem maltratar dizem que a pessoa é da cozinha. Enganavam – se os bajuladores de plantão, porque Siomara era fidelíssima ao amigo Tinôco, mas de uma competência e de uma altivez admiráveis. Desse modo, terminou por receber na sua equipe todos os técnicos dispensados por outros chefes, diretores que diziam não saber lidar com os comunistas.
Bem diferente deles todos, ela acolheu os cabeças vermelhas na sua equipe, inclusive eu, botando todos para trabalharem nos projetos que estavam sob a sua coordenação e com muito sucesso. Assim, tocamos Escola Comunidade; Esporte nas Escolas; Casamentos Comunitários e Educação Profissional, dentre outros.
Muitos anos depois, soubemos que o seu esposo, Ênio Gomes da Silva, à época Major da Aeronáutica, fora convidado para um almoço solene para ser comunicado que assumiria um cargo relevante de âmbito nacional, no Serviço Nacional de Informação – SNI. Naquela altura, Siomara só faltou pular na goela da autoridade militar pelo convite, ao invés de agradecê-lo, como era de se esperar. Vinham à sua cabeça os comunistas de estimação: Zezé, Neuzinha e Geraldo Soares, o que seria deles, o que pensariam dela? Ênio, a quem ela dedicava um imenso amor- os dois eram como almas gêmeas -, convidado para exercer um cargo no SNI? Ela de pronto o aconselhou a não aceitar, mesmo com todos os benefícios.
De outra feita, Siomara comemorou o Natal com toda a equipe de comunistas num barco da Marinha, o que por pouco não resultou em punição para o Major Ênio. E ainda ajudava os amigos que precisavam, como minha mãe, Dona Teresinha, a vermelhinha, que até hoje reza e agradece a Siomara pela sua aposentadoria como servente de escola pública.
Poucos anos depois fui demitida, por ter uma ficha monumental no SNI, perdendo apenas para Mário Covas, mas minha mãe ficou protegida.
Isto foi Natal.
Obrigada, Siomara Vitorino!
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira e dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise.