Maria José Rocha Lima[1]
A Presidente da Associação Brasileira de Estudos e Psicanálise, Maria Elena Rodrigues, me ligou alarmada, porque ouviu uma diretora de escola do Distrito Federal afirmar que “ao final do ensino fundamental todos os alunos deveriam ler e escrever”.
A psicanalista ponderou: “Na sala de aula da fazenda de meu pai, no primeiro ano todos aprendiam a ler e escrever. Havia quem aprendesse a ler com cinco anos, como ocorreu comigo”.
O pai da psicanalista, senhor João Fortunato da Silva, mais conhecido como João Canuto, enfrentou de cara a trama da ignorância! Seu João era um pequeno produtor no interior do Maranhão, no povoado Olho D’Água do Ventura, município de Presidente Dutra. O fazendeiro contratava, sempre, uma professora competente, que tivesse boas referências, que soubesse alfabetizar. A contratação da professora para a sua fazenda tinha como única exigência que todos chegassem ao Grupo Escolar do Município de D. Pedro, lendo, escrevendo e sabendo tabuada. Assim, a primeira professora foi Dona Esmeralda Lima Pinheiro, apelidada por Dona Meloquinha. Ela dava aula nos dois turnos e ali residia. O contrato era ensinar a ler e a escrever aos filhos de Seu João Canuto e de alguns vizinhos, inclusive os que não pudessem pagar. A psicanalista lembra do cenário da sua primeira sala de aula, “uma mesa grande com bancos grandes de madeira”.
Elena conta que tinha caderno de cópia, uma caligrafia, a cartilha de leitura e uma tabuada. “A professora Dona Meloquinha começava com a carta do ABC. Primeiro fazia a apresentação do alfabeto, o conhecimento de cada letra do alfabeto, recitação do alfabeto. Durante muitos dias, a professora passava as atividades com todo o alfabeto”.
E continua: “Eram cópias, ditados, exercícios para localizar a letra, fazendo – nos preencher os espaços com letras na ordem certa do alfabeto. A cópia de todo o alfabeto no caderno, observando a delimitação das linhas do caderno. O desenho de cada uma delas na linha, bem certinha; a recitação do alfabeto para a memorização das letras, em seguida era copiar no caderno de caligrafia”.
Dona Meloquinha trabalhava muito com as vogais, dias e mais dias: maiúsculas e minúsculas. “Dizia ela que as vogais eram muito importantes na língua portuguesa, não há palavra que não tenha vogal. E também muitas atividades para a prática da leitura e da escrita das consoantes”.
O alfabeto maiúsculo e minúsculo de imprensa, o alfabeto cursivo das letras maiúsculas e minúsculas. A relação da letra com o som da inicial das palavras. Relações intermináveis de palavras que representassem objetos, plantas, bichos, nomes de pessoas.
Ai vinha a assinatura do nome, começando pelo prenome, depois o nome completo. Ninguém saía da classe de Dona Meloquinha sem assinar o seu próprio nome.
“No Grupo Escolar Eugênio de Barros, já estávamos lendo e escrevendo”, conclui ela. “No segundo ano, tínhamos diariamente leitura, escrita, cópia, ditado e tabuada. Eram introduzidos alguns conhecimentos básicos de ciências físicas e naturais, geografia, história do Brasil e Maranhão. As lições da gramática de Gaspar de Freitas”, comenta a psicanalista.
Diz Maria Elena: “Nunca esqueci que estudávamos as dificuldades ortográficas e o X ficou gravado na minha memória. A letra X pode ter o som de s/ ss/excelente; pode ter o som de z/exame; pode ter o som ch/ mexer; ks/ tóxico”.
Entre as famosas sabatinas, ela lembra, sem trauma, de uma sabatina na qual a professora perguntou :
Qual o maior rio do Brasil em extensão? E ela de pronto respondeu-lhe que era o Rio São Francisco. A professora ficava admirada e desconfiava que ela estivesse colando. Testava a aluna, pedindo-lhe que repetisse textos e o explicasse. Ela dizia com vírgulas e pontos.
Atualmente, com tantos recursos, ainda há quem não se alfabetize no primeiro ano.
Ela me perguntou:
– Quantos anos tem o ensino fundamental? –respondi-lhe que nove anos.
-Que horror, é inimaginável que uma criança só depois de nove anos leia e escreva fluentemente.
[1] MARIA JOSÉ ROCHA LIMA é mestre em educação e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista é dirigente da Asssociação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. É membro da Soroptimist International SI Brasilia Sudoeste.