O Fantástico conversou com parte dos 37 servidores públicos que entregaram seus cargos esta semana. Eles alegaram fragilidade técnica e administrativa contra a atual gestão do órgão, e a censura em questões que envolvem contextos sociopolítico e socioeconômico do Brasil.
Com Fantástico/TV Globo
A notícia da crise no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – órgão que produz e coordena o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – veio duas semanas antes da prova. Mais de 30 funcionários entregaram seus cargos, alegando fragilidade técnica e administrativa contra a atual gestão.
O Fantástico conversou com parte dos 37 servidores públicos que entregaram seus cargos esta semana.Eles detalham as tentativas de interferência no conteúdo das provas, situações de intimidação e acusam o presidente do órgão de despreparo.
“Grande erro é achar que você pode simplesmente pegar uma prova e sair riscando itens que você não gosta do conteúdo deles”, diz um servidor, que afirma que existe uma “pressão insuportável”. “O corpo técnico e pedagógico se vê obrigado a refazer a prova duas vezes”, comenta um outro funcionário. Um terceiro servidor afirma: “Isso é um assédio moral.”
A prova do Enem é elaborada todos os anos com 180 questões. Todas as perguntas são retiradas do Banco Nacional de Itens, formado por milhares de questões redigidas por professores escolhidos por edital. A equipe técnica do Inep escolhe as 180 questões com nível de dificuldade adequado a cada edição anual do exame. O processo de criação da prova acontece em um espaço chamado “ambiente seguro”.
A prova do Exame Nacional do Ensino Médio é elaborada todos os anos com 180 questões — Foto: Reprodução/Fantástico
“Eles têm níveis de segurança. Você tem que passar por um daqueles scanners de corpo. Qualquer objeto de metal que estiver com você vai ser detectado. E você não pode entrar com ele. As portas são altamente seguras. A montagem da prova, você faz em um nível de segurança, todo cercado de câmeras. Não tem nenhum ponto cego dentro desse ambiente”, detalha um servidor.
Só que os servidores reclamam que, no dia 2 de setembro – no período em que a prova do Enem estava em fase final de elaboração – um policial federal passou por todo esse esquema e entrou no ambiente seguro.
“O Inep precisa explicar como essa pessoa foi parar lá dentro, quem autorizou a entrada, o que ele fez, que nível de controle a gente tem das informações que ele acessou lá”, questiona o servidor.
“A gente não consegue imaginar outro esforço ou motivação que não seja intimidar servidores”, comenta um outro funcionário.
Censura
Os servidores também relatam censura às questões do exames. O diretor designado para fazer esse trabalho de leitura dos itens é o diretor de avaliação da educação básica. Quem ocupa esse cargo é Anderson Oliveira.
“Esse dirigente designado pelo presidente do Inep, Danilo Dupas, foi até o ambiente seguro, fez a leitura das questões que essa equipe técnica havia montado, essa primeira prova do Enem, e solicitou a exclusão de mais de duas dezenas de questões dessa primeira versão da prova”, conta um servidor.
Segundo ele, são questões que tratam de conhecimentos do contexto sociopolítico e socioeconômico do Brasil.”Eram questões que tratavam principalmente da história recente do país, dos últimos 50 anos. Sob o ponto de vista da equipe técnica, não havia qualquer reparo pedagógico a ser feito na primeira versão da prova”, afirma um servidor.
Foi a partir desta situação tensa que os servidores se viram obrigados a elaborar uma segunda versão da prova do Enem. “Mas sem utilizar aqueles itens que foram objeto de exclusão, a prova baixava a nota máxima possível. Enfraqueceria fortemente a capacidade da prova do Enem”, explica o servidor. “E isso foi objeto de um terceiro movimento, de se fazer uma terceira versão de prova”.
Nessa terceira versão, alguns itens que haviam sido retirados da primeira prova voltaram pra equilibrar o grau de dificuldade do Enem.
“O Inep sempre foi dirigido por pessoas que tinham alguma trajetória acadêmica, Esse presidente que está agora é uma pessoa sem currículo, sem experiência, Está lá porque o ministro da Educação decidiu que seria a pessoa que estaria disposto a fazer o que eles queriam: entrar na prova e retirar aquilo que eles acham que o presidente não iria gostar”, diz o servidor, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro, que já havia criticado algumas questões de provas anteriores.
Depois do pedido coletivo de exoneração de cargos, o presidente do Inep, Danilo Dupas, foi convocado na comissão de educação da Câmara dos Deputados para dar explicações, mas disse que gostaria de tratar internamente a questão.
Presidente do Inep, Danilo Dupas, foi convocado na comissão de educação da Câmara dos Deputados para dar explicações — Foto: Reprodução/Fantástico
A prova do Enem é no próximo domingo (21). Dupas afirmou que ela está garantida. Os servidores confirmam.
“Essa prova, à custa da saúde mental de vários colegas servidores, consegue ainda atender aos seus objetivos”, diz um dos exonerados.