Taxa deve afetar os 12 mil argentinos mais ricos, com o objetivo de arrecadar para a compra de suprimentos médicos, conceder subsídios e ajudar pequenas e médias empresas
O Senado argentino transformou em lei nesta sexta-feira um imposto extraordinário sobre as 12 mil pessoas de maior fortuna do país, com o objetivo de alavancar recursos na luta contra a Covid-19, conceder subsídios àqueles em situação de pobreza e empréstimos às pequenas e médias empresas, entre outras ajudas sociais de emergência.
O projeto foi aprovado com 42 votos a favor e 26 contra, após um longo debate que polarizou as forças do páis em uma sessão transmitida ao vivo pelo YouTube.
A aliança pró-governo fez a valer sua maioria para aprovar a chamada “contribuição solidária” que, valendo uma única vez, tentará arrecadar o equivalente a cerca de US$ 3 bilhões.
A chefe da arrecadação de impostos do governo do presidente Alberto Fernández, Mercedes Marcó del Pont, disse que o tributo, que taxa o patrimônio, alcançará “quase 12 mil contribuintes, que apresentam disponibilidade líquida 25 vezes maior do que o imposto que devem pagar”.
A lei encontrou uma rejeição enérgica da maior força de oposição, o partido neoliberal Juntos pela Mudança, do ex-presidente Mauricio Macri, que disse tratar-se de uma medida “confiscatória”.
O sindicato patronal mais influente, a Associação Empresarial Argentina (AEA), disse que “afeta a propriedade privada, atinge o investimento, a produção e o emprego e produz grande desânimo”.
A discussão do popularmente chamado “imposto dos milionários” ocorre em um país com 40,9% de seus 44 milhões de habitantes na pobreza, cuja economia está em recessão desde 2018.
O desemprego é superior a 10% e a queda do Produto Interno Bruto (PIB) estimada para 2020 é superior a 11%, segundo levantamento do Banco Central, com déficit fiscal em torno de oito pontos. A dívida explodiu devido aos gastos com a pandemia, que deixou mais de 39 mil argentinos mortos e quase 1,5 milhão de infectados.
— Há espaço fiscal para tributar quem mais tem pela primeira vez na história com um imposto direto. Isso não acontece apenas na Argentina. O sistema tributário regional é tremendamente desigual e injusto — disse à AFP Adrián Falc, secretário da Rede de Justiça Tributária da América Latina e Caribe. — O sistema é baseado no imposto sobre o consumo e nunca sobre quem tem mais. Os que realmente pagam impostos são muito poucos, e para evitá-los, usam paraísos fiscais e empresas de fachada.
A iniciativa já tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados por 133 a 115 votos, com duas abstenções da esquerda, e tributa aqueles que declararam bens superiores a 200 milhões de pesos (R$ 12,67 milhões) com uma taxa progressiva de até 3, 5% sobre os bens na Argentina e até 5,25% sobre os bens fora do país.
— Este imposto é uma loucura total. É dirigido a quem já tem 32 mil problemas e isso acenderá acenderá os ânimos — questionou o economista Juan Carlos de Pablo, professor da Universidade privada Centro de Estudos Macroeconômicos (Ucema), 20% da arrecadação será destinada a suprimentos médicos para a pandemia, outros 20% a Pequenas e Médias Empresas (PMEs), 15% a empreendimentos sociais, 20% a bolsas de estudo e 25% a empreendimentos de gás natural .
— O imposto chega a 0,8% do total de contribuintes. 42% possuem ativos dolarizados, dos quais 92% estão localizados no exterior. Está longe de taxar a atividade produtiva — explicou um dos autores do projeto , o legislador governante Carlos Heller.
Do lado oposto, o presidente da poderosa Sociedade Rural Argentina (SRA), Daniel Pelegrina, alertou que “querem apresentá-lo como uma contribuição dos mais ricos, mas sabemos o que acontece com todos esses impostos específicos, ficam para sempre “
Mas Hernán Letcher, diretor do Centro de Estudos de Política Econômica (Cepa), explicou que “a proposta não é exclusiva da Argentina e há pelo menos 11 países na Europa e na América Latina que estão avançando em maior justiça tributária”.
— Essas medidas para apoiar a renda familiar e os subsídios visam mitigar a desigualdade — disse Letcher à AFP.
— Não podemos permitir que alguns espertos façam negócios justamente com o comprometimento do meio ambiente — declarou a senadora Ana Almirón, integrante do bloco governista Frente de Todos.
A parlamentar disse que este ano “foram queimados 900 mil hectares em 22” das 24 províncias argentinas, sendo que “mais de 90%” dos casos “ocorreram em consequência de ações humanas, intencionais ou por negligência”.
O texto da norma prevê um prazo para a modificação do uso de áreas afetadas por incêndios de 60 anos no caso de florestas nativas ou implantadas, áreas protegidas e áreas úmidas, e de 30 anos para áreas agrícolas, pastos, campos e matagais.
A iniciativa foi aprovada no Senado com 41 votos favoráveis, 28 contra e uma abstenção. O projeto já teve o aval da Câmara dos Deputados, onde obteve 132 votos afirmativos e 96 negativos.
A coalizão Juntos pela Mudança) do ex-presidente Mauricio Macri não acompanhou a iniciativa promovida pelos aliados do presidente Alberto Fernández, que contou com o apoio de outros blocos.
Terras incendiadas
O Senado argentino também aprovou um projeto de lei que proíbe por até 60 anos qualquer mudança no uso de terras devastadas por incêndios, como projetos imobiliários, para evitar práticas especulativas.