Maria José Rocha Lima*
Hoje é aniversário da minha amada irmã Sueli Rocha Lima Canato. Sueli, desde bem pequenina, se revelou uma menina amável e muito discreta. As pessoas mais velhas, como chamávamos os nossos familiares, descobriram que ela se mostrava sempre distraída, mas captava todas as mensagens. Era uma menina muito bonita, com seus cachinhos aloirados, como a nossa tia Mundinha, irmã do nosso pai. Conquistava muitos fãs pela beleza e doçura. E, mais tarde, admiradores e amigos por onde passava. Algumas dessas pessoas ficaram amigas para sempre, são como ou mais que suas irmãs: Dalva Leite, Alaíde de Carlinhos, Doutora Ieda, Dina, Fátima Rita e Teresinha Medina.
Se perguntássemos qual a sua característica mais forte, eu diria sem pestanejar: a incrível capacidade de cultivar amizades. Ela não mede sacrifícios para apoiar familiares e amigos. Ainda ontem lembrei – me que nos meus momentos mais difíceis tive o seu apoio irrestrito: quando fui para Angola, veio da Bahia para Brasília, porque percebeu que eu não me encontrava bem, e durante o meu mandato de deputada pobre, oposicionista ao governo de Antônio Carlos Magalhães e vivenciando conflitos partidários, rompendo com os comunistas e indo para o PT, um partido que me considerava adversária; um mandato sem cargos, sem verbas de gabinete e outras regalias, hoje existentes, era um trabalho sofrido e praticamente desprovido de recursos.
Por issi, resolvi homenageá-la com uma história, contada por filósofos da envergadura de Aristóteles ou Platão e recentemente pelo Frei Beto, em Fome de Deus (2013), que a publicou com o título: Amizade Olímpica. Segue, com alguma alteração, para adaptar ao espaço da coluna: “Antes de o imperador Teodosio I, o grande, proibir a olimpíada, no ano de 391, instigado por um bispo que via nos jogos uma manifestação pagã, existiu um atleta chamado Asiarques que corria muito, mas participava, em Siracusa, de uma conspiração contra o tirano Dionísio, o velho – o mesmo que frequentou as aulas de filosofia de Platão e depois o prendeu na gruta na qual nasceu o mito da caverna. A condenação à morte de Asiarques foi promulgada simultaneamente à sua convocação para participar dos jogos olímpicos. O réu implorou que a sentença fosse adiada até retornar de Olímpia. E, como garantia de sua promessa, deixaria em seu lugar um amigo que seria executado caso ele não voltasse. O tirano, espantado, disse que não existia no mundo um amigo como aquele. Asiarques garantiu que sim e se chamava Pitias. Dionísio aceitou a proposta, sem acreditar numa amizade como aquela, embora estivesse certo de que Asiarques regressasse vitorioso e seria politicamente difícil decapitá-lo. Pitias era um daqueles alunos que aproveitaram as aulas de Platão e, imbuído de virtudes morais, aceitou enlaçar o seu destino ao do amigo. E apresentou-se aos juízes para ocupar na prisão o lugar de Asiarques. Entre a população, acirrou-se o debate: uns consideravam loucura Pitias confiar assim na promessa de um amigo; outros viam em sua atitude moral uma façanha superior a obter vitória na olimpíada. Pitias foi recolhido à caverna enquanto Asiarques embarcou rumo ao Peloponeso para participar dos jogos. A cidade continuou dividida. Três semanas depois Asiarques retornou, no mesmo dia em que expirava a sentença, mas sem a cabeça coroada. Encontrou a metade da cidade no porto para receber os atletas, a outra metade em frente ao templo de minerva, onde fora erguido o patíbulo. Os verdugos já tinham trazido Pitias, que aguardava sereno, confiante de que seu amigo não o trairia. Asiarques foi o primeiro a desembarcar. Correu pelas ruas do porto em direção à praça no exato momento em que o prazo expirava. Pitias olhou para o amigo com um sorriso. A extraordinária manifestação de amizade comoveu todos os habitantes de Siracusa, que travaram nova discussão: quem havia dado maior prova de amizade, Pitias, ao pôr em risco a vida em troca de nada, ou Asiarques, ao retornar para impedir a morte do amigo? O atleta foi aclamado como se a sua disposição de abraçar a morte superasse a todas as glórias dos Jogos Olímpicos. Dionísio deixou seu trono diante do patíbulo e pousou na cabeça de Asiarques a coroa de ramos de oliveira. Exaltou seu exemplo e, em seguida, mandou soltar Pitias e fez sinal para que o réu fosse executado. Depois promoveu – lhe um enterro com todas as honras fúnebres. Aristóteles, na Ética a Nicômaco, frisa que a amizade é o maior de todos os bens e que o verdadeiro amigo é aquele que se sente mais feliz em agradar o amigo do que ser agradado. E conclui com a frase de Aristóteles “sem amigo ninguém pode viver, ainda que possuísse todos os bens”(livro VIII,5)” .
*Maria José Rocha Lima Mestre e doutoranda em educação.Psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise -ABEPP.