O secretário de saúde do Distrito Federal, Francisco Araújo, e outras cinco autoridades do alto escalão da pasta, foram transferidos para a carceragem da Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP), da Polícia Civil, no fim da tarde desta terça-feira (25). Eles foram presos preventivamente durante a 2ª fase da operação Falso Negativo, que investiga supostas irregularidades na compra de testes para detecção da Covid-19.
De acordo com o Ministério Público do DF, os integrantes e ex-integrantes da Secretaria de Saúde foram ouvidos e encaminhados para a carceragem. Conforme o MP, um dos investigados continua foragido.
A defesa de Francisco Araújo disse que examina a ordem de prisão e está convencida de que o MP trabalha no que chamou de “plano do equívoco”, que será esclarecido na apuração dos fatos. O advogado afirmou que o cliente será inocentado e disse que o secretário está seguro de que não praticou crime e confia na equipe da Saúde
Após a operação, o governador Ibaneis Rocha (MDB) afastou os envolvidos do cargo, mas criticou a ação do Ministério Público do DF. No lugar de Francisco Araújo, assume a pasta o ex-secretário Osnei Okumoto, que deixou o cargo no início da pandemia.
Decisão do desembargador
Ao autorizar as prisões, o desembargador atendeu a um pedido do Ministério Público do DF, que apura o caso por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Segundo o órgão, a medida foi necessária por “receio de reiteração delituosa” e “risco à ordem pública”.
De acordo com o magistrado, os indícios apresentados pelo MP apontam para um “avanço da criminalidade”, com “preocupante eficiência” e que “exige do Estado resposta corajosa, concreta e efetiva”.
“É inconcebível que agentes públicos, mesmo diante do que ocorre hoje no Brasil em termos de apurações de crimes de corrupção entre outros, não se furtam de, descaradamente, usarem de seus cargos para a prática de crimes como os noticiados nesta representação”, citou o magistrado.
O Ministério Público apura suspeitas de fraudes em duas dispensas de licitação para compra de kits para exame de detecção do novo coronavírus. Em ambas, o MP identificou superfaturamento. Ao todo, o prejuízo estimado é de R$ 18 milhões.
Contratos suspeitos
De acordo com o MP, Francisco Araújo “é quem decide qual empresa será contratada” para as aquisições dos testes para Covid-19 e “sua atuação é direcionada para lesar os cofres públicos e auferir vantagens pessoais”.
Um dos contratos questionados foi fechado com uma empresa atacadista e importadora de brinquedos, Luna Park, que fica em Santos, no estado de São Paulo (leia nota da empresa no fim da reportagem). Segundo o MP, a fornecedora “foi contratada embora tenha oferecido o maior valor por unidade de teste na dispensa de licitação, a sua documentação tenha sido oferecida fora do prazo e o parecer inicial relativo à sua proposta tenha sido pela rejeição”.
A atacadista de brinquedos foi escolhida para fornecer 90 mil testes, ao custo de R$ 16,2 milhões. O Ministério Público afirma que o processo de contratação durou apenas dois dias e que a empresa chegou a indicar itens que nem estavam previstos, como teste para detecção da Hepatite C.
Os documentos também não teriam aferição técnica da qualidade dos exames, nem a marca do produto a ser adquirido
Contrato de R$ 19 milhões
O outro contrato analisado trata de aquisição de 100 mil testes rápidos para utilização nos postos drive-thru, firmado com a empresa Biomega por R$ 19 milhões. De acordo com as investigações, o secretário de Saúde “mantinha tratativas extraoficiais com o setor privado para o fornecimento dos serviços”.
A empresa Biomega teria, inclusive, decidido previamente que seriam contratados 15 pontos de drive-thru para o DF e conseguido ampliação de 90 mil testes previstos inicialmente para 100 mil, segundo os promotores.
Os crimes em investigação são de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, organização criminosa, além da prática de corrupção ativa e passiva. O caso ainda pode ser caracterizado como cartel.
Procurada pela reportagem, a Biomega não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.
Quem é quem no grupo?
Os investigadores chegaram até as suspeitas de “conluio” entre a pasta e as vencedoras das dispensas de licitação após analisar conversas entre o secretário de Saúde e equipe, em aplicativos de mensagens, após apreensão de celulares na primeira fase da operação.
Para o Ministério Público, a investigação trata da “maior organização criminosa entranhada no atual governo do Distrito Federal”, que “se alimenta da morte de inúmeras vítimas” da Covid-19. O órgão afirma que cada integrante possui um papel no grupo:
- Francisco Araújo – secretário de Saúde do DF
Apontado como quem “controla e comanda” a organização criminosa. Seria “quem decide qual empresa será contratada; os prazos exíguos para apresentação de propostas; e até mesmo o quantitativo de testes a serem adquiridos”.
- Ricardo Tavares Mendes – ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde do DF
Apontado pelo Ministério Público como “membro fundamental e segundo na hierarquia da célula criminosa dos servidores públicos”. Seria o responsável por dar “ares de legalidade” ao processo.
- Eduardo Seara Machado Pojo do Rego – secretário adjunto de Gestão em Saúde do DF
Citado na investigação como “terceiro membro na sucessão organizacional”, com “a tarefa de lidar diretamente com as empresas fornecedoras de testes e informá-las do que é preciso”.
- Eduardo Hage Carmo – subsecretário de Vigilância à Saúde do DF
No papel de analisar as contratações, como autoridade máxima da Vigilância em Saúde, é suspeito de dar “falsa validade aos projetos básicos” com objetivo de “afastar eventuais alegações de invalidade ou conluio na edição e lançamento de tais documentos”.
- Jorge Antônio Chamon Júnior – diretor do Laboratório Central do DF
Segundo promotores, Jorge tinha como principal função “orientar tecnicamente o grupo” sobre “como devem ser lançados alguns itens no edital para ‘evitar problemas'”. Além disso, teria a “tarefa de chancelar os projetos básicos e justificar, falsamente, os quantitativos que estão sendo comprados”, já que os montantes estariam sendo definidos pelas empresas.
- Ramon Santana Lopes Azevedo – assessor especial da Secretaria de Saúde do DF
Seria quem “articula com as empresas privadas buscando boas contratações que favoreçam o grupo e com os demais integrantes do grupo em nome do Secretário”.
- Iohan Andrade Struck – subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF
Apontado como quem “controla o que vai para a publicação e os ofícios com as informações que as empresas devem apresentar, além de montar os processos com os documentos necessários para que o procedimento tenha aparência de licitude
O que diz o governo?
Após a decisão, o governador Ibaneis Rocha chamou a ação de “desnecessária” e disse que a pasta manteve todos os processos transparentes. Veja abaixo:
“O Governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, no momento em que declara sua irrestrita confiança no Poder Judiciário local, vem a público lamentar a desnecessária operação ocorrida nesta manhã e que culminou na prisão preventiva da cúpula da Secretaria de Saúde.
O Secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, e toda sua equipe sempre estiveram à disposição das autoridades para esclarecer quaisquer fatos, mantendo abertos todos os processos em curso na SES, inclusive com acompanhamento on-line do Ministério Público, pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), comprovando a inexistência dos crimes a que estão sendo indevidamente acusados.
Neste momento não resta outra atitude de minha parte a não ser afastar preventivamente os acusados, com o único intuito de não paralisar os importantes serviços prestados à sociedade do Distrito Federal pela Secretaria de Saúde, em especial neste momento de pandemia.
Aguardo rápida apuração e o esclarecimento dos fatos para que pessoas inocentes não tenham seus nomes indelevelmente manchados”
O diz a Secretaria de Saúde?
Procurada pela reportagem nesta manhã, a secretaria de Saúde informou que sempre colaborou com as investigações. Veja íntegra abaixo:
“A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES) informa que sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial.
A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso online dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade.
O que diz a empresa Luna Park?
“A empresa Luna Park Importação, por seu advogado da Lacerda Neto Advogados Associados, em virtude dos fatos noticiados pela imprensa em geral e nas redes sociais, no que se refere ao objeto da ação do GAECO/MPDFT, “Falso Negativo”, esclarece que:
Participou do procedimento licitatório de aquisição de testes rápidos para à Covid-19, que teve a participação de outras 07 empresas fornecedoras, ofertando preços com os valores praticados pelo mercado, nessa ocasião, abril de 2020.
Jamais foi beneficiária, em procedimentos licitatórios, de vantagens e ou favores de órgãos públicos e, nunca causou qualquer prejuízo ao erário em suas atividades comerciais. Possui autorização para importação e venda de produtos destinados ao combate ao SARS-COVID-19 e comercializa, também, outros produtos de acordo com seu objeto comercial. Registre-se, apesar de já ter fornecido os testes em abril de 2020, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, até o momento, não efetivou o pagamento pela compra efetivada, apesar de já ter utilizado os testes adquiridos, fato esse que vem causando grande prejuízo às suas atividades.
Confia na ação do Ministério Público do Distrito Federal e da justiça brasiliense, inclusive esperando, apurado os fatos, faça-se o pagamento do que lhe é devido, posto que cumpriu todas as obrigações previstas no chamamento da licitação realizada.”
*Fonte: G1