Divulgação
Maria José Rocha Lima*
A obra Rompendo silêncios – História da África nos Currículos da Educação Básica completou vinte anos do seu lançamento. A obra foi organizada por mim e pela professora Selma Pantoja. A professora da UnB, doutora e historiadora Selma Pantoja, pioneira nos estudos sobre a História da África, dedicou-se a pesquisar sobre o continente africano quando havia um silêncio completo a respeito do tema no Brasil e abriu caminhos para uma nova geração de acadêmicos.
Matilde Ribeiro, primeira-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial- SEPPIR-,da qual eu era Chefe de Gabinete, destacou que “esta é a primeira publicação sobre História da África nos Currículos da Educação Básica. Julgamos corresponder ao crescente interesse pela História da África, a partir da sanção da Lei 10.639/2003, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Na época, celebrei na apresentação que o Presidente da República, ao sancionar a Lei 10.639/2003, que instituiu o ensino obrigatório de História da África nos currículos da educação básica, criava as condições para um (re)encontro fecundo dos brasileiros(as) com os seus ancestrais. Alguns verão nisso uma redundância, se não atentarem que a última coisa que um habitante das profundezas da água descobriria seria a água. Ele só se tornaria consciente da existência desta se algum acidente o trouxesse à superfície e o introduzisse na atmosfera, como afirmou o sociólogo inglês Ralph Linton(1958). Também o professor- doutor Valdemir Zamparoni, um dos autores do Rompendo Silêncios, lembra que os vínculos ancestrais nos envolvem de tal forma que chegamos a acreditar que se tratam de manifestações brasileiras, não percebendo as suas origens. Muitos são os estudiosos que afirmam que o homem através da maior parte de sua história tem sido apenas vagamente consciente da existência da cultura e, ainda, quando adquire essa consciência é pelos contrastes entre os costumes da sua própria cultura e os de alguma com a qual aconteceu entrar em contato. Essa afirmação nos impulsiona na direção dos estudos sistemáticos e objetivos sobre a cultura africana nos currículos escolares, entendendo-a essencial na compreensão da cultura e reafirmação da identidade afro-brasileira. E ainda entendendo-os indispensáveis na informação para o diálogo necessário à superação do preconceito racial.
Diante de muitas dificuldades e disputas políticas interpostas, por ser o primeiro livro editado sobre a Lei 10.639/2003, sua edição precisou transpor oposições de grupos que reivindicavam exclusividade na abordagem do tema e num esforço extraordinário para edição foi lançado, com recursos restritos, em uma gráfica amadora como uma brochura, com o socorro do prefeito Edinho Araújo, Prefeito de São Jose do Rio Preto/SP, da Secretária Municipal de Educação, Maria do Rosario Cerávolo Laguna, e Leonice de Lourdes Balthazar Marão, Coordenadora do Departamento de Ensino Fundamental, que adquiriram alguns exemplares antecipadamente, garantindo a publicação. Desse modo, poucos puderam usufruir do tesouro nela contido. Nesta publicação, conseguimos reunir quase todos os doutores brasileiros em História da África à época. Todos esses doutores em História da África articulados pela historiadora doutora Selma Pantoja. Na época, se não me engano, existiam somente nove doutores em História da África e sete deles escreveram para o livro Rompendo Silêncios.
No Capítulo I História da África nos Currículos: O que pensam os especialistas, lém da doutora Selma Pantoja, reunimos sete dos nove doutores em História da África e dois importantes especialistas. Doutores Wilson Trajano Filho, Anderson Ribeiro Oliva, Valdemir Zamparoni, Marcelo Bittencourt, Marina de Mello e Souza e Wolfang Döpcke. Também escreveram para o livro historiadores que se especializaram nos estudos sobre África José Flávio Sombra Saraiva (in memoriam), reconhecido como uma das principais referências na análise da história da diplomacia e das políticas entre Brasil e países africanos; Pio Penna Filho; e Ubiratan Castro de Araújo(in memoriam), historiador e escritor brasileiro, imortal da cadeira número 33 da Academia de Letras da Bahia.
No Capítulo II da obra reunimos Opiniões: Por que lutamos e aprovamos a História da África nos Currículos, reunimos deputados(as) e autoridades educacionais e culturais: Deputados: Carlos Abicalil -Pres. da Comissão de Educação da Cãmara dos Deputados, Ben-Hur, Esther Grossi, dep. Gilmar Machado Presidente da Frente Parlamentar Brasil- África; Iara Bernardi, João Grandã; Luiz Alberto, Membro do MNU E Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial. Entre as autoridades tivemos Adeum Sauer, Presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação -Undime-; Gabriel Chalita, Secretário de Educação do Estado de São Paulo e presidente do Conselho dos Secretários Estaduais de Educação- Consed-; Marlos Pessoa, Professor da UFPE; Martha Rosa Queiroz, Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares/Minc; Miguel Lucena Filho, jornalista, escritor, co-autor da música Estação Azeviche, premiada do Grupo Baiano Ylê Aiyê, Delegado e então Diretor de Comunicação da Polícia Civil do Distrito Federal e hoje advogado; Pablo Gentili e Renato Emerson, Coordenadores do Programa Políticas da Cor Educação Brasileira(LPP/UERJ); Gabriel Chalita, Secretário de Educação do Estado de São Paulo e presidente do Conselho dos Secretários Estaduais de Educação; Ricardo Henriques, Ex-secretário da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade -SECAD/MEC- ; Ricardo Oriá, PhD em História, consultor legislativo da área de educação e cultura Câmara dos Deputados (1994-2023), e João Jorge, advogado e Presidente do Grupo Cultural Olodum.
No Capitulo III foi a Apresentação da Legislação pelo Senador Paulo Paim – Vice -Presidente do Senado Federal. E as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações étnico- Raciais e para o Ensino de História da África e Cultura Afro- Brasileira, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação 10 de março de 2004. Conselheros Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva(Relatora) Carlos Roberto Jamil Cury, Francisca Novantino Pinto de Ángelo e Marília Ancona-Lopez.
Pela imensa riqueza de abordagens, a obra Rompendo Silêncios – História da África nos Currículos da Educação Básica, diante de tão pouco reconhecimento dos estudos sobre o tema, mereceria uma celebração da sua maioridade, nas Casas Legislativas, nos Sindicatos e Instituições Escolares, com uma reedição à altura das preciosas manifestações.
A professora Selma Pantoja nos advertiu em 2004, mas é absolutamente atual: “Desde a Antiguidade clássica, as regiões desconhecidas pelos europeus, como a África, eram tidas e imaginadas como terras tórridas, sem possibilidades de existência humana. Essas visões ptolomaicas do mundo, que povoava o continente africano com monstros, na modernidade foi quebrada com as viagens que contornaram o continente africano”. Dizia Pantoja: “A imagem da África ainda está tão distante como os pólos”, citando o historiador brasileiro José Honório Rodrigues.
Atualíssima, Pantoja afirma “Hoje em dia, urge suprir as muitas falhas referentes ao ensino da dinâmica da História da África e das diferentes abordagens da cultura negro africana, além das relações daquele continente não só com as Américas e não só com o Brasil. Estudar História da África faz parte do conhecimento geral, universal. Estudar a História da África é como estudar História da América, da Europa e da Ásia”.
A historiadora conclui: “A África imaginada e a África Real[…] que com relação ao continente africano a desinformação, ainda, é completa e o silencio é perturbador”.
*Maria José Rocha Lima é professora, mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia. Doutora em Psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira.