Relator sugeriu teto para a carga tributária sobre consumo, que seria de cerca de 12,5% do PIB. Valor superaria média da OCDE, do Reino Unido (10,1%), Canadá (8,8%) e Chile (10,6%).
Reforma tributária abrange os impostos sobre o consumo — Foto: Reprodução:
Por Alexandro Martello, g1 — Brasília
A proposta de reforma dos impostos sobre o consumo do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), traz uma “trava” para a carga tributária, ou seja, um limite que não poderá ser ultrapassado.
Pelo texto apresentado pelo senador, o limite para a carga tributária será a média de 2012 a 2021, na proporção com o Produto Interno Bruto (PIB), representada pelas receitas com PIS/PASEP, COFINS, IPI, ISS e ICMS.
A Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda informou que a média desses dez anos (2012 a 2021) da carga relativa a esses impostos é de 12,5% do PIB.
Esse patamar supera o da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne países mais desenvolvidos, e de outras nações.
O senador Eduardo Braga tem dito que essa trava é importante para dar tranquilidade ao contribuinte e ao setor produtivo brasileiro, e garantir a “neutralidade” da carga tributária brasileira.
E acrescenta que a fixação de um teto para a carga tributária “vai ajudar o cidadão a mobilizar-se contra aumento na carga desses tributos, exigindo, dos governantes, compromisso com a austeridade e com o controle de gastos”.
Comparação internacional
Para uma comparação internacional, a Receita Federal usou os dados de 2020, quando a arrecadação sobre o consumo no país representava 13,5% do PIB.
No ano passado, segundo o Ministério da Fazenda, os cinco tributos envolvidos na reforma tributária (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) arrecadaram o equivalente a 13% do PIB.
Mesmo em 12,5% do PIB, no limite estabelecido pela proposta do relator Eduardo Braga, a carga tributária brasileira sobre o consumo (envolvendo PIS , Cofins, IPI, ICMS e ISS) ficaria acima da média da OCDE, composta por países mais desenvolvidos (10,8% do PIB).
E também de países como Reino Unido (10,1% do PIB), Canadá (8,8% do PIB) e Chile (10,6% do PIB) – veja abaixo.
Carga tributária sobre o consumo — Foto: Estudo da Receita Federal
Se o Brasil tributasse o consumo pelo patamar médio da OCDE, ou seja, em 10,8% do PIB, cerca de R$ 200 bilhões a menos em impostos teriam sido cobrados sobre produtos e serviços no ano de 2020 no país.
Pobres pagam a conta
A consequência da concentração maior da carga tributária brasileira sobre o consumo no Brasil é o alto grau de “regressividade” (se arrecada proporcionalmente mais de quem ganha menos).
A lógica é que, se o imposto é igual para todos, ela consome uma parcela maior da renda de quem ganha menos.
“Inúmeros estudos demonstram que a tributação brasileira é profundamente regressiva, pois onera muito mais os mais pobres do que os mais ricos, proporcionalmente a renda de cada um, ou seja, é um fator que aprofunda a desigualdade social”, avaliou o Instituto Justiça Fiscal, uma associação civil sem fins lucrativos.
O senador Eduardo Braga, relator da reforma tributária no Senado, também chama a atenção para esse ponto.
“Temos a firme convicção de que o contribuinte, na condição de consumidor, não pode continuar a sustentar o peso de Estado. Os impostos sobre o consumo são regressivos e pesam mais nas costas dos mais pobres”, diz o relatório do senador Eduardo Braga.
Impostos sobre renda
Enquanto a tributação sobre o consumo é considerada elevada no Brasil, assim como no caso da folha de pagamentos, outras bases de tributação, como a renda e o patrimônio, têm valores abaixo da média mundial.
Em 6,9% do PIB em 2020, a carga tributária sobre a renda no Brasil ficou bem abaixo da média da OCDE (10,6% do PIB) e de países mais desenvolvidos, como Canadá (16,7% do PIB) e França (11,9% do PIB).
Tributação sobre a renda no Brasil — Foto: Estudo da Receita Federal
O governo federal tem dito que pretende trata de mudanças no Imposto de Renda somente após a aprovação da reforma tributária sobre o consumo no Congresso Nacional.
Em janeiro desse ano, durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos (Suíça), a Oxfam, organização independente sem fins lucrativos, recomendou o aumento da taxação de milionários.
Aumentar a tributação sobre a renda é uma das recomendações de analistas para tributar os mais ricos e reduzir as desigualdades sociais. Entre os caminhos possíveis, estão:
- Retomar a cobrança do Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos das empresas para as pessoas físicas. Os lucros das empresas já são taxados no Brasil, mas a sua distribuição para as pessoas físicas, desde 1996, é livre de tributação – algo que não acontece na maioria dos países. Essa é considerada uma jabuticaba da economia brasileira, pois a grande maioria das nações tributa a distribuição de lucros e dividendos.
- Instituir uma faixa, e uma alíquota maior, de cobrança para no IRPF. Atualmente, a maior alíquota no Brasil é de 27,5%, enquanto supera esse patamar em países desenvolvidos. Nos EUA, as alíquotas variam de 10% a 37%. Em Portugal, a tabela traz variação de 14,5% a 48%, e na Argentina, de 5% a 35%.
- Reduzir as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda das Pessoas Físicas. As deduções com educação favorecem os mais ricos e a sugestão é de rever o benefício. Já 88% do benefício do IR para a saúde, avaliou o antigo Ministério da Economia, em 2022, concentra-se na parcela (20%) correspondente às famílias de maiores rendas, e 16,4% (1%) de maior rendimento.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também já propôs, e aprovou na Câmara dos Deputados, projeto de lei que prevê a taxação das “offshores” (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda). Para ter validade, o texto ainda precisa passar pelo Senado Federal.
Tributos sobre patrimônio
De acordo com dados da Receita Federal sobre a carga tributária de 2021, somente 4,87% de todos os tributos arrecadados no Brasil naquele ano foram sobre o patrimônio.
Em 2020, os tributos sobre o patrimônio representaram 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), ficando abaixo da média da OCDE, formado por nações mais desenvolvidas, de 1,8%.
Também ficaram abaixo de países como Canadá (4,2% do PIB), França (4% do PIB), Reino Unido (3,9% do PIB) e Estados Unidos (3% do PIB).
Em seminário promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na semana passada, Alberto Barreix, consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), avaliou que o aumento da dívida e das desigualdades na América Latina poderá levar os países da região a revisar seus modelos de tributação sobre o patrimônio, que, segundo ele, registra baixa arrecadação.
O imposto sobre herança no Brasil tem alíquotas diferentes de acordo com o estado, que variam de 1% a até 8% – percentual máximo permitido pela legislação nacional. Dados de 2017 mostram que os valores são mais altos em outros países, com limite de 40% nos EUA, de 50% na Alemanha e de 60% na França.
Entre os tributos sobre patrimônio no Brasil, ou propriedades, estão o IPVA (estadual) sobre automóveis; o IPTU (municipal) sobre o valor de imóveis; o ITCMD (estadual), também conhecido como imposto sobre heranças; o ITBI (municipal) sobre a transferência de imóveis; o ITR (estadual), sobre propriedades rurais.
“Imposto ao patrimônio é importante e é preciso considerá-lo. Na América Latina, cobra-se muito mal especialmente o imposto de imóveis. Aí temos um déficit que precisamos corrigir. Mas é preciso pensar em desenhos inteligentes”, afirmou Alberto Barreix, consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em meados desse ano.
A reforma tributária aprovada pela Câmara traz a taxação de aeronaves e embarcações de luxo com o Imposto Sobre Veículos Automotores (IPVA).No sistema atual, jatinhos e lanchas não pagam o tributo.
O texto também contempla a cobrança do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) de forma progressiva em razão do valor da herança ou da doação. A cobrança será feita no domicílio da pessoa falecida.
Nota técnica do Unafisco Nacional, divulgada em março deste ano, recomenda instituir o chamado imposto sobre grandes fortunas para tributar mais os ricos.
“Historicamente, a tributação sobre fortunas já foi adotada em diversos países, sendo mantida em alguns (como por exemplo Uruguai, Suíça, Noruega e França) e extinto e depois retomado em outros (como na Espanha, que reintroduziu o tributo em 2011)”, diz o documento.