Entre os 115 motoristas que mais foram multados, há casos como o de um condutor flagrado 14 vezes pela fiscalização, enquanto dirigia embriagado
Dirigir alcoolizado é uma irresponsabilidade que coloca em risco a vida de centenas de pessoas. Para agravar o problema, alguns infratores são recorrentes na imprudência. No Distrito Federal, um homem de 46 anos bateu todos os recordes: em uma década, Leonardo* foi flagrado 14 vezes pela fiscalização, enquanto conduzia embriagado. Entre as mulheres, a campeã é Mariana*, pega sete vezes em blitzes. Os dois integram a lista das 115 pessoas que mais ignoraram a proibição de dirigir após a ingestão de bebida alcoólica na capital do país. Apesar do risco que representam para a sociedade, a maioria desses condutores continua dirigindo. Na edição de ontem, no primeiro dia da série Infratores contumazes da Lei Seca, o Correio revelou que um a cada 28 motoristas dessa lista provocou acidente com morte enquanto dirigia bêbado.
Entre 2006 e 2016, a fiscalização emitiu 82.211 multas por infração à Lei Seca. Desse total, 60.407 foram aplicadas a condutores habilitados no DF. Ao colocar uma lupa sobre este último grupo, descobre-se que, para cada nove homens pegos alcoolizados ao volante, há uma mulher. Os números são um apanhado das multas aplicadas pelo Departamento de Trânsito (Detran), pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e pela Polícia Militar.
Leonardo, citado no início desta reportagem, mora no Itapoã e coleciona a média de um flagrante de desrespeito à Lei Seca a cada oito meses e meio. Em uma das vezes em que foi preso, a polícia fixou a fiança em R$ 3 mil. O valor acabou reduzido para R$ 1 mil pelo juiz que analisou o caso. Além dos processos administrativos, ele responde a três ações criminais na Justiça pelo crime de dirigir alcoolizado. Como se não bastasse, Leonardo está com a habilitação cassada desde 2012, mas continua nas ruas. A reportagem tentou falar com ele durante três dias. Mas Leonardo não atendeu as ligações nos dois números de celulares, nem no telefone fixo.
Entre os 115 maiores infratores da Lei Seca, há quatro mulheres. Moradora de Sobradinho, Mariana, 36, acumulou sete multas e ocupa o primeiro lugar entre as condutoras mais multadas. Com a condição de ter o nome preservado, ela revelou ao Correio ter pago cerca de R$ 14 mil em multas aplicadas por desrespeito à Lei Seca em um período de três anos. “Ou eu parava de beber, ou parava de dirigir. Parei de beber há um ano”, conta.
Mariana considera a punição financeira “brutal”. E critica a falta de transporte público. “Os ônibus para a minha cidade param de circular às 23h. Voltar de táxi custaria muito caro. Sabemos que o brasileiro não vai parar de beber. Então, a melhor solução para impedir o cidadão de dirigir alcoolizado é dar opções de transporte público”, defende. Sobradinho, onde ela mora, fica a 26 km do Plano Piloto. Ela teria um gasto de aproximadamente R$ 260 de táxi para ir e voltar da balada.
Diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Dirceu Rodrigues alerta que o cenário da alcoolemia ao volante é muito mais grave do que se pensa. “Em um país com 75 milhões de veículos, temos 50 milhões de motoristas. Estamos em uma sociedade em que 78% da população bebe e, destes, 38% são dependentes químicos do álcool. Ou seja, muita gente dirige embriagado sem ser pego pela fiscalização”, afirma.
Dirceu lembra que, quanto mais se afasta dos grandes centros, menos fiscalização existe – sobretudo por falta de recursos humanos. “A Lei Seca teria resultado importante se tivéssemos o bafômetro anexado à ignição do veículo, impedindo o motorista com hálito de bebida de ligar o carro. Seria ao mesmo tempo um equipamento de proteção individual e coletiva”, defende. O sistema, segundo Rodrigues, já é usado em alguns países muito frios, onde o consumo de álcool é elevado.
Para aprimorar a fiscalização, o Detran está atualizando o programa do talão eletrônico de multas e aumentando o número de radares. Os nomes dos infratores contumazes da Lei Seca serão incluídos nos sistemas, para facilitar a identificação e a localização. “Essas pessoas ou têm poder aquisitivo alto, e a multa não faz diferença, precisam de acompanhamento psicológico ou apostam na impunidade. É bom lembrar que, a partir de novembro, a multa sobe para R$ 2,9 mil e os reincidentes vão pagar quase R$ 5 mil”, alerta o diretor de Policiamento e Fiscalização, Silvain Fonseca.