Maria José Rocha Lima*
O missólogo Roberto Macedo, primeiro especialista brasileiro em misses, desde criança é fascinado sobre a beleza feminina, mas se tornou missólogo em 1987, quando convidado pela TV Itapoan/Record para falar sobre os concursos de misses. Chamaram-no de missólogo, e possivelmente foi a primeira vez no mundo que este termo foi usado, segundo Macedo.
Ele foi apresentador de vários concursos no Brasil e no exterior. É biógrafo da Miss Universo 1968, Martha Vasconcellos, a rainha da beleza baiana, última brasileira a ser eleita a mais bela do planeta. Macedo tem um riquíssimo acervo sobre o assunto.
Roberto Macedo me enviou uma preciosidade: a crônica da escritora Rachel de Queiroz (1910-2003), intitulada Carta a Emília, dedicada à cearense Emília Barreto Corrêa Lima, Miss Brasil, representante brasileira no Miss Universo 1955, realizado em Long Beach, concurso vencido pela sueca Hillevi Rombin.
CARTA A EMÍLIA, MISS BRASIL
Rachel de Queiroz
“Minha flor:
Quando esta carta sair impressa você talvez já esteja a caminho da América, para a disputa do grande título. É que eu ando por longe, metida no sertão da sua e minha terra, o que dificulta a rapidez das
comunicações; mas palavras de amor nunca são demais nem tardias, e são justamente palavras de muito carinho que lhe posso dizer. Faz algum tempo que não a vejo. A última vez foi em sua casa; – você e Iaci, de saída para um cinema, creio, se entremostraram ràpidamente na porta da sala, para se fazerem apreciar pela “tia” que chegava de viagem. E reparei logo nessa sua esbelteza de galgo ou de garça, que é talvez o maior dos seus encantos.
Nesta nossa terra de brevilíneas, você, longilínea perfeita, é uma maravilhosa exceção. Porém, em lugar da sua beleza e da beleza de sua irmã, igualmente tão linda, o que a família quis comentar foram os seus triunfos de estudiosa, tão de acôrdo com as tradições dos Barreto e dos Corrêa Lima; as famílias sofrem essa preocupação de subestimar a beleza das suas moças. Têm medo de que elas fiquem por demais vaidosas, que percam o amor da virtude e dos estudos, pelo amor da bonita cara e do bonito corpo. Felizmente, minha querida Emília, você não se deixou iludir pelas boas intenções dos de casa, e ao invés de tratar apenas de estudar, não se despreocupou de ser bonita. Teve a inteligência de dar valor a esse dom sobre todos os dons, que é a beleza. Sim, não acredite nunca quando lhe disserem que beleza é um acidente que não tem valor, que não dá felicidade, que mais vale inteligência, etc. Isso são chavões nascidos do desejo e da necessidade de consolar os feios.
Uma bela mulher é uma perfeita obra de arte. Seja bonita com orgulho, com tranqüilidade, com segurança; cuide bem do seu rosto e do seu corpo, pois nada neste mundo vale mais do que a beleza. Quando eu tinha a sua idade, recebi um prêmio literário. (Recordo isso porque seu pai, então no Rio, no entusiasmo fraternal pela estreante, foi o meu melhor eleitor.) Pois, querida, não êsse modesto prêmio, destinado a estimular uma principiante, mas todos os prêmios literários deste mundo, até o Nobel, eu o daria de bom-gôsto para ser bonita como você o é.
Eles dizem que não há mérito em ser bonita. Claro. Como não há mérito em ser inteligente, nem em ter bom caráter, nem em ser um gênio musical, nem um maravilhoso poeta. Manuel Bandeira, que foi um dos seus juízes, já nasceu com o dom divino; e com êle nasceu o seu poeta predileto, Carlos Drummond de Andrade. Tudo são dons, dons gratuitos, que se recebem da fonte de todos os dons. Valerão eles menos por isso? E a beleza, entre os dons, é o mais alto de todos: o maior elogio que se pode fazer a uma realização, a uma paisagem, a um poema, é dizer que são belos. Por que a beleza é a coroa que os completa.
Nem a virtude se concebe sem beleza, nem a divindade. Não só os deuses dos pagões eram belos: a própria Igreja, dentro da sua austeridade, pinta os santos formosos. Alguém poderia imaginar Nossa Senhora feia? E Cristo, se viesse ao mundo na figura de um homem malformado, não seria até uma profanação?
Vi outro dia o retrato autêntico de Santa Teresinha no seu leito de morte: era uma mulher de feições severas, nariz forte, rosto descarnado e precocemente envelhecido. Mas a agiografia oficial jamais permitiu que a reproduzissem assim e, em todas as imagens do culto, Santa Teresinha nos é apresentada como uma jovem de angélica beleza. (E digo angélica, porque os anjos são também padrões de formosura). Por que isso? Não será por frivolidade que a Igreja assim se empenha em tornar seus santos; será antes porque, com o seu profundo conhecimento do coração humano, sabe que a beleza atrai o amor e a devoção. Porque a beleza é como um sêlo de Deus.
Filha de uma mulher muito linda, sempre adorei a beleza de minha mãe. Contam os de casa que um dia – eu teria uns seis anos – ela me pôs de castigo por motivo que me pareceu imerecido. E ao jantar, horas depois, ainda zangada com a injustiça, eu disse, encarando-a: “Só fico morando aqui porque você é bonita. Se você fosse uma mãe feia, eu fugia de casa”. Ela era também muito inteligente mas, agora que a perdi, o que mais lembro da infância, da mocidade, de todos os tempos em que vivemos juntas, é aquêle rosto formoso, que enchia a nossa casa como uma luz. E ao escrever estas palavras, sinto uma saudade tão grande, parece que uma coisa rebenta dentro do meu peito, e talvez eu não a tivesse amado tanto se ela não fosse tão linda.
Nós nos orgulhávamos daquela beleza como de um tesouro de família, e a condição de seus filhos nos parecia um privilégio. Para nós era uma rainha.
Você foi escolhida a mulher mais bela do Brasil. É um grande título, não acredite em quem lhe deprecie o valor, nunca desdenhe o seu dom maravilhoso. Todos lhe queremos bem por isso, lhe somos gratos por ter nascido e se criado tão bonita, nos orgulhamos de você. Se na América não lhe derem o título máximo, é porque os cegos são êles. Não viu que no ano passado, em lugar da nossa radiante Martha Rocha, prefeririam aquela pequena escocesa de lábios finos? Aqui ficamos, numa ansiosa torcida. Mas, volte você ou não com a faixa atribuída a Miss Universo, de qualquer forma será a nossa Miss; a única que nos agrada e igualmente nos encanta, Emília Barreto Corrêa Lima, a Miss Maguari, a Miss Ceará, a Miss Brasil”.
O missólogo Roberto Macedo, primeiro especialista brasileiro em Miss. É arquiteto e jornalista pela Universidade Federal da Bahia –UFBA, trabalhou 12 anos em televisão como repórter. Foi convidado para ser jurado de vários concursos do Miss Bahia, Miss Paraná, Miss Rio Grande do Norte, Miss Brasil, Miss Brasil USA e Miss Brasil Europa, em Estoril. Por diversas vezes foi apresentador de concursos de beleza e coordenador do Miss Bahia em 2005, 2006 e 2007.