Frutuoso Chaves*
Uma leitura aqui, outra acolá e, no mais das vezes, temos versões novas acerca de fenômenos, ocorrências e episódios relacionados a vultos, povos ou nações. Temos histórias não impressas nos livros escolares feitos dos costumeiros heróis, mártires e conquistadores.
Pois bem, aprendi fora da escola que dentista não era ofício visto com bons olhos pelas castas superiores da sociedade nos anos de 1770. Naquele tempo, esta era uma atividade próxima do trabalho braçal. O termo “tiradentes”, portanto, deveria ser algo degradante. Talvez equivalesse ao tratamento de “papa-defuntos” conferido, lamentável e injustificadamente, aos respeitáveis agentes funerários nossos de cada dia.
Aprendi, ainda, que a Joaquim José da Silva Xavier, além da devida e merecida consideração, também faltavam barba e cabelos compridos proibidos aos alferes de então, posto militar hoje com equivalência ao de subtenente.
Os inconfidentes – eu soube, também, dessas leituras paralelas – eram mineradores, grandes proprietários de imóveis e terras, padres e gente letrada. Tomaz Antonio Gonzaga já havia sido ouvidor de Vila Rica. Por seus turnos, Cláudio Manuel da Costa e o cônego Luís Vieira da Silva, ambos cultos, traziam na alma, além da poesia, o ideário do Iluminismo francês. Isso e a inspiração das batalhas das quais resultou a libertação dos Estados Unidos do julgo da Inglaterra.
Na terra do pão de queijo, os ricaços de então, em grande parte, eram partícipes das reuniões dos conjurados. Há quem prefira “Conjuração Mineira”, ao invés de “Inconfidência”, por achar que este último termo expressaria a ideia de traição, indiscrição, abuso de confiança. Também acho, até porque me recuso a ver esse capítulo doloroso da história do Brasil com os olhos do colonizador.
A opressão da coroa portuguesa e as altas sucessivas dos impostos por ela cobrados é o que unia aos revoltosos os abastados, os donos de grandes minas de ouro, empreendimentos agrícolas e comerciais, dezenas, ou centenas de escravos. Conta-se que Tiradentes tinha quatro e, por isso, seria a voz mais incisiva contra a escravatura. Como ele, ninguém mais em seu meio, pois quase todos ricos e poderosos.
O que se discutia naqueles encontros era segredo de polichinelo, porque o próprio Tiradentes era dado a baixar o pau no governo fosse, ou não, a conversa regada a vinho nas frequentadíssimas cantinas de então. Silvério, portanto, pouco contou aos governantes além daquilo que eles já sabiam. Mas foi quem apontou o esconderijo do alferes. Dizem que foi agraciado com um posto de mando no Maranhão e que passou o resto da vida com medo de sair às ruas.
Sem grandes posses nem costas largas, Tiradentes foi o único a subir ao patíbulo de onde saiu, literalmente, aos pedaços. Teve a cabeça, tronco, pernas e braços dependurados em postes, providência horripilante por cujo meio Portugal tratava de inibir futuras revoltas. Tomaz, Cláudio e Luís Vieira, em meio a outros condenados à morte, tiveram a pena revogada por Dona Maria I que se contentou com seus degredos. “Vade retro para a África”… E eles se foram.
Sem barba nem cabelos longos, sem posto de herói e nada a chamar de seu, afora a dignidade e a coragem, Tiradentes foi o único a assumir aquela luta e seus propósitos. Os demais afrouxaram, delataram uns aos outros e pediram clemência.
É preciso acentuar, ainda, que as feições de santo e o porte de mártir somente foram a ele conferidos 98 anos depois de sua morte em 21 de abril de 1792.
É que os revoltosos dos idos de 1890, o queriam, desta vez, como símbolo de outra causa: a luta pela proclamação da República. Então, deram-lhe a cara e os modos de Cristo. Assim dizem os livros e artigos que as professoras não me mostravam, certamente, porque deles, tanto quanto eu, também não sabiam, coitadinhas. Isso tudo me chegou com grande atraso, mas chegou. Quanto à história que agora me contam, espero que assim tenha sido.
*Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).
A história chamada oficial, na verdade. se tem por oficiosa. Publica-se o que interessa a estrutura materialista de dominação.