*Maria José Rocha Lima
Nesses dias de guerra biológica decretada pelo coronavírus, tenho constatado que está em curso uma outra forma de guerra: a digital, tão ou mais perigosa e duradoura que a primeira.
Enquanto milhares morrem vitimados pelo coronavírus; pequenos e médios comerciantes fecham as portas das suas casas comerciais; milhões ficam desempregados, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional se debruçam, devotadamente, à caça das faknews.
Isso confirma as preocupações do filósofo e historiador israelense Yuval Noah Harari, que durante a sua participação no Programa Roda Viva, de 11/11/2019, apontou como única saída para a humanidade a colaboração, mas alertou para a possibilidade do surgimento de uma nova forma de governo, que intitulou Ditaduras Digitais.
No Brasil, a coisa já está feia: é faknews, youtuber e intercept na terra e no ar. Pelo mundo afora, já existem as agências de vigilância que monitoram vinte e quatro horas os cidadãos e cidadãs e suas localizações; outras tantas são agências privadas de segurança, que conduzem atividades de serviços secretos, de estados ou de organizações.
O autor dos best-sellers Uma breve história da humanidade, Homo Deus e 21 Lições para o Século 21 não foi nada otimista. Para Noah, a colaboração é quase impossível, no atual cenário mundial. Ele se mostrou muito pessimista, falando dos desafios que a evolução tecnológica trará para o progresso do ser humano.
Para o historiador, não existe uma lei capaz de garantir que o processo histórico leve sempre ao progresso. Ressaltou que não há um caminho fácil para lidar com os problemas da humanidade, mas que precisamos nos empenhar ao máximo.
Ele citou as várias revoluções: a da agricultura, por exemplo, produziu grandes avanços na vida de reis e aristocratas, mas, a princípio, a vida das pessoas em geral piorou. A Revolução Industrial trouxe avanços extraordinários para a humanidade, para a ciência, mas não impediu a exploração abusiva do trabalho; o desemprego; a brutal concentração da riqueza, aumentando as desigualdades sociais; as guerras e a agressão ameaçadora ao meio ambiente.
Da mesma forma, a Revolução Tecnológica produziu e ainda produzirá grandes avanços para os industriais nas próximas décadas, nas quais serão desenvolvidas novas e poderosas tecnologias, como a inteligência artificial, “mas essa força poderá beneficiar somente uma pequena elite, em detrimento da maioria das pessoas”, diz Yuval Harari.
O historiador, apesar de reconhecer o quão são extraordinários os avanços promovidos pela inteligência artificial, se diz pessimista com os seus efeitos inevitáveis de “provocar o desemprego de centenas de milhões de trabalhadores e dar origem a uma nova classe dos inúteis”.
Ele afirma que muita gente provavelmente perderá sua utilidade econômica e sua força de pressão. E com o agravante “da criação de ferramentas de vigilância que poderão nos levar a uma era de ditaduras digitais, em que os governos monitorarão a todos o tempo todo. Esses regimes poderão ser piores que os da Alemanha nazista ou da União Soviética comunista”.
O homem sempre avançou à força na história, acumulando guerras sobre guerras para chegar ao patamar no qual se encontra. Tudo porque difere dos outros animais, por ser o único que possui cultura e se caracteriza por certa “ferocidade”. O historiador entende que o progresso não se dá naturalmente, em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas.
E pessimista, ele lembra: “Quando o homo sapiens se espalhou pelo planeta, as outras espécies de hominídeos desapareceram. E muitos outros animais também desapareceram. De fato, parece que o homo sapiens é uma espécie de assassino ecológico que sistematicamente aniquilou outros animais”.
Por isso, “a mera invenção de tecnologias não é suficiente para melhorar a vida. Toda inovação tecnológica pode ser usada para diferentes propósitos — alguns bons, outros ruins”, concluiu.
Cabe a nós, simples mortais, lutar para que as novas tecnologias sejam empregadas em benefício de toda a humanidade, e não só de poucos.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em Educação. Foi deputada da Bahia de 1991 a 1999. É Psicanalista filiada à ABEPP.