Maria José Rocha Lima*
O historiador Yuval Noah Harari, na sua obra Homo Deus, ousa fazer uma prospecção do ser humano que pretende alcançar a imortalidade, a felicidade e a divindade. Diz ele que não é profecia, mas prospecção. Para o autor, a velha agenda da humanidade está praticamente superada. Era constituída de três grandes aflições/medos: a fome, as pestes e as guerras.
A fome no âmbito global não é mais um problema técnico, não faltam alimentos. A fome tornou-se um problema político. Na Síria, Sudão e na Somália, por exemplo, as pessoas morrem de fome por questões políticas.
No mundo, a obesidade e as suas consequências matam mais do que a desnutrição. Em 2014, enquanto 1/3 da população mundial, o que representava 2,1 bilhões de pessoas, apresentava excesso de peso, 850 milhões sofriam de subnutrição.
Questionamos o fim da fome, porque enquanto houver pessoas famintas ou subnutridas não podemos considerar a questão da fome resolvida. No Brasil existem dezenas de milhões de pessoas vivendo com menos de R$125,00 por mês; outras dezenas de milhões vivem com pouco mais de R$ 400,00, em condições de miséria, e 100 milhões de pessoas não dispõem de saneamento básico. Deste modo, o Brasil está muito distante da superação da miséria.
O problema das doenças é bem menos importante. Na atualidade, os avanços das ciências permitiram o enfrentamento das pestes e de diversas doenças infecciosas: há vacinas, medicamentos eficazes e saneamento, e muitas doenças foram erradicadas ou passíveis de tratamento. No passado, no Século XIV, a Peste Negra matou entre 75 milhões a 200 milhões de pessoas, ¼ da população da Eurásia. Algumas cidades tiveram 1/3 da população dizimada. No início do Século XX, a gripe Espanhola matou mais de 100 milhões de pessoas. Hoje, temos vacinas para as gripes como as aviárias e a gripe suína, que mataram pouco mais de mil pessoas no mundo inteiro, em 2010.
Yuval Noah Harari pergunta o que mata mais, o açúcar ou a pólvora?
Segundo ele, em 2012, 620 mil pessoas morreram em razão da violência humana: as guerras mataram 120 mil e o crime matou outras 500 mil pessoas. E em contrapartida 800 mil pessoas cometeram suicídio e 1,5 milhão morreram de diabetes. E conclui que o açúcar mata mais que as guerras.
O autor destaca que nunca o mundo esteve tão pacífico, nunca tivemos tão poucas guerras como na atualidade.
Para o historiador, a nova agenda da humanidade será a conquista da imortalidade, da felicidade, da deidade. E viveremos na realidade do dataísmo.
Vai surgir um mercado biônico, no qual você poderá escolher o seu filho com base nos estudos genéticos que indiquem poderem ser mais inteligentes, mais criativos; enxergar mais; ouvir mais; ter mais músculos. O corpo pode ser escaneado por aparelhos de ressonância magnética; os genes poderão ser examinados, prevenindo doenças e promovendo saúde.
A revolução industrial substituiu a força humana pelas máquinas, e a revolução vindoura será revolução da inteligência artificial. E alerta que o nosso Eu já está quantificado. Quantos de nós já entregamos boa parte das nossas vidas às máquinas? O Google e o Facebook sabem mais sobre as nossas vidas do que nossos amigos e familiares.
A vida vai ser dirigida por algoritmos. Por exemplo, o Google, depois de acompanhar sua vida durante dezenas de anos, será capaz de te orientar até sobre a escolha do par romântico. Yuval, no Programa Roda Viva, afirmou que o Google e o Facebook são capazes de produzir um algoritmo que diga sobre a sua preferência sexual, pelo movimento do seu olhar na direção de um homem ou uma mulher. Com a ascensão dos algoritmos, das superpoderosas máquinas, da biotecnologia e da inteligência artificial, os seres humanos perderão sua utilidade econômica e militar. Os sistemas não darão importância aos humanos individualmente, mas coletivamente.
As nações que dominarem essas tecnologias darão importância a alguns humanos individualmente, mas somente os superdotados (superbiônicos) constituirão uma nova elite. Surgirá o Dataísmo, uma espécie de nova religião, cuja virtude maior é estar interconectado e o novo pecado mortal é estar fora da nuvem.
Não é sem mais nem menos que os representantes da nossa Belíndia já estão se engalfinhando contra o domínio das redes, estabelecendo os marcos regulatórios e amedrontando a todos com a possibilidade do surgimento de organizações criminosas, ou seria uma antecipação das Ditaduras Digitais?
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise.