Porta-voz diz que russo quer rendição militar, neutralidade e reconhecimento da Crimeia e do Donbass.
A Rússia de Vladimir Putin listou pela primeira vez as condições que apresentou à Ucrânia para acabar com a guerra que devasta o país vizinho há 12 dias.
Em uma entrevista à agência Reuters, por telefone, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que a operação “acaba em um instante” se Kiev se render militarmente, mudar sua Constituição para garantir que nunca irá aderir à Otan, a aliança militar ocidental, ou à União Europeia, reconhecer a Crimeia anexada em 2014 como russa e as ditas repúblicas separatistas do Donbass, no leste, como independentes.
Segundo Peskov, os negociadores russos já informaram aos ucranianos seus termos na semana passada, quando fizeram duas reuniões na Belarus. A terceira rodada ocorre nesta segunda-feira (7), também na ditadura aliada de Moscou, que serve de base para ações no norte da Ucrânia.
Peskov afirma que não haverá exigências territoriais adicionais a serem feitas, o que não condiz com o mapa que se desenha no solo ucraniano, particularmente com o estabelecimento de uma ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia, base da Frota do Mar Negro russa.
Se a cidade de Mariupol, sob intenso cerco e objeto da discussão acerca de corredores humanitários, cair, tal ligação está estabelecida. E as forças de Putin lutam para chegar até Odessa, o maior porto ucraniano. Se conseguirem, apesar dos reveses no caminho no fim de semana, podem isolar o país do mar.
“Nós realmente estamos acabando a desmilitarização da Ucrânia. Vamos acabá-la. Mas a principal coisa é a Ucrânia cessar sua ação militar. Aí ninguém vai atirar”, disse Peskov. Em outras palavras, o Kremlin quer a rendição dos ucranianos, algo que o governo de Volodimir Zelenski rejeita. No sábado (5), Putin havia dito que a Ucrânia corria o risco de deixar de ser um Estado soberano.
“Eles devem fazer emendas à Constituição de acordo com as quais a Ucrânia irá rejeitar entrar em qualquer bloco”, afirmou, sobre a neutralidade. A frase é importante, pois “qualquer bloco” indica não só o temor decantado dos russos de ter um país enorme membro da Otan junto às suas fronteiras, mas também o desejo de evitar que a União Europeia transforme a Ucrânia em uma vitrine do tipo de democracia que possa inspirar opositores de Putin na Rússia.
Peskov disse que “seria uma questão de tempo” ver mísseis intermediários e outras armas ofensivas colocadas numa Ucrânia que fizesse parte da Otan. “Tivemos de agir.” A questão da neutralidade estava no centro do ultimato feito aos EUA e à Otan em dezembro por Putin, que foi rejeitado liminarmente pelos ocidentais. No caso, o russo queria a garantia deles de que não trariam a Ucrânia para seu lado.
Em 2008, tal possibilidade levou o Kremlin a lutar uma guerra na Geórgia, vencida em cinco dias. As ações de 2014 na Ucrânia já seguiam essa lógica, já que o governo pró-Rússia de Kiev havia caído após protestos de rua por não ter aceito um acordo comercial com os europeus. Putin busca manter o cinturão que separa a Rússia de seus adversários, como fizeram antes o Império Russo e a União Soviética.
Por fim, as questões territoriais existentes. Que a retomada da Crimeia por Moscou em 2014 é um fato consumado, isso é admitido por qualquer diplomata ocidental. Fazer Kiev aceitar parece algo mais difícil. O mesmo se aplica às chamada “repúblicas populares” do Donbass, baseadas em Donetsk e Lugansk, lar de 4 milhões de pessoas, a maioria russófona, e 800 mil delas, com passaporte russo.
“Isso não significa que a gente está tomando Lugansk e Donetsk da Ucrânia. Elas não querem ser parte da Ucrânia. Mas isso não significa que elas devam ser destruídas como um resultado”, disse o porta-voz, repassando a justificativa inicial da ação de Putin —a suposta proteção às duas áreas que são autônomas desde a guerra civil que seguiu à anexação da Crimeia. “De resto, a Ucrânia é um Estado independente que irá viver como quiser, sob as condições de neutralidade”, disse. A Rússia reconheceu as duas regiões três dias antes do início da guerra. “Nós entendemos que elas seriam atacadas.”
*Com Informações da Folha