Lula adota cautela e busca ampliar alianças até com legendas que votaram pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016
Alckmin e Lula: ampliação de alianças visa compensar a perda de hegemonia do PT entre as esquerdas e a rejeição a Lula – (crédito: Ricardo Stuckert )
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), mudou o tom nas tratativas com os militantes sobre a corrida eleitoral de 2022 contra o seu principal adversário, o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). “Não existe essa de já ganhou”, disse Lula durante evento com mulheres realizado em São Paulo, na última quinta-feira (10/3).
Na ocasião, Lula disse ainda que não será um pleito fácil, apesar de o petista liderar as pesquisas de intenção de votos. Ele defendeu o diálogo com políticos de diversos partidos e orientações ideológicas, mesmo aqueles que no passado divergiram do PT.
“Eleição a gente só sabe o resultado depois da apuração, então vamos precisar ter muita habilidade de construir as nossas alianças, de conviver com pessoas. Tem gente que fala ‘pô, Lula, mas você conversou com pessoas que votaram no impeachment’. Se eu não for conversar com um cara que votou no impeachment, eu vou deixar de conversar com pelo menos 400 deputados”, falou.
A construção do processo eleitoral mobiliza políticos e militantes petistas em todo o país. Apenas para citar um exemplo, recentemente o petista fez escala em Manaus, onde encontrou com o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PSD), o deputado federal petista José Ricardo (AM), a ex-senador Vanessa Grazziotin (PCdoB), para prometer defender a Zona Franca de Manaus (ZFM).
Janela partidária
De acordo com o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto de Carvalho, a “unidade ampla” com partidos e políticos avança, mas a federação do PT, PCdoB e PV deverá parar por aí. PSol e Rede anunciaram a federalização, enquanto o PSB deve optar por uma coligação. “Só vamos decidir a federação após o fim do período da janela partidária”, explicou o graduado petista.
A questão com o PSB se resolveu, de acordo com Carvalho, com protagonismo do próprio Geraldo Alckmin. O ex-governador de São Paulo pelo PSDB, que usou as redes sociais para dizer que a filiação aos socialistas não estava tão acertada assim, contrariando tuíte do presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira.
No último dia 7, porém, Alckmin registrou a retomada do diálogo com o PSB. “Hoje pela manhã tomei um bom café com o presidente do PSB, Carlos Siqueira, ao lado de João Campos, Márcio França e Jonas Donizete. A reunião foi muito produtiva e provou haver convergência política e vontade de união em benefício do país”, disse Geraldo Alckmin, no Twitter.
Márcio França é ex-governador de São Paulo, foi vice de Alckmin. Donizete é ex-prefeito de Campinas, segundo maior colégio eleitoral paulista.
Carvalho busca explicar a estratégia de Alckmin. “A única coisa certa é que ele será o candidato a vice-presidente, mas ele não quer entrar numa fria. Não quer ir para um partido que cause problema para isso”, explica Carvalho, ressaltando que o bom relacionamento entre candidato a presidente e vice na chapa petista acalmou os ânimos. “Ali deu casamento. Os dois defendem a democracia. Alckmin, embora tenha feito oposição ao PT desde sempre, também defende a democracia e pode, sim, ajudar a unificar o campo democrático”, argumenta Carvalho
O ex-ministro também prevê uma disputa dura. “Será uma campanha difícil, mas vamos jogar pesado com nossos candidatos, a militância e tudo o que temos. Em condições normais, o Lula ganha, mas o risco são os golpes”, afirma.
Carvalho ressalta o papel da Justiça Eleitoral nesse contexto. “Com certeza, muito dependerá deles, quanto ao acompanhamento e fiscalização do processo eleitoral.”
PSol é dúvida
Alguns parlamentares petistas ainda têm expectativa de que Guilherme Boulos (PSol) retire a sua candidatura ao governo de São Paulo e apoie a campanha de Haddad. Em troca, o PT oferece apoio a Boulos nas eleições de 2024, em uma eventual candidatura à prefeitura paulistana.
Em entrevista ao Correio durante o Ato pela Terra contra o Pacote da Destruição, em Brasília, Boulos disse que já se decidiu. “Lula é o candidato que tem as melhores condições de derrotar Bolsonaro. E eu apoio Lula”.
Mas o PSol não é apenas Boulos. Para o cientista político Ismael Almeida, a estrutura partidária do PT pode ser um trunfo nas negociações de apoio a candidatura de Lula. “O que atrai uma possível aliança é a estrutura partidária do PT, um dos maiores partidos do Brasil. Então eles têm uma estrutura grande, com muito recurso de fundo partidário e também terá fundo eleitoral, tempo de TV”, observou.
Por outro lado, Almeida analisa que existe uma centralização do poder na figura do Lula dentro do PT, o que pode ser um fator a dificultar as negociações. “Isso é consequência da forma de fazer política que o Lula fez durante todos esses anos, impedindo que outras lideranças da esquerda, até mesmo dentro do do próprio PT, tivessem um lugar ao sol, né? É um problema que o PT cultivou por anos.”
Na avaliação de Ismael Almeida, o tempo extenso das negociações reflete uma perda de hegemonia do PT dentro da esquerda, o que deve ser explorado por adversários de Lula.
“Essa desunião atrapalha muito o Lula e por consequência favorece seus concorrentes. Para o cenário político, passa a mensagem de que o Lula não é mais unanimidade dentro da esquerda. Antes ele falava e a água parava. Agora já não é mais assim”, observa Almeida.
Diante desse cenário, o especialista avalia que a concessão de candidaturas regionais pode ajudar nas negociações: “Há regiões e estados importantes que o PT insiste em apresentar candidatos, de modo a manter o poder junto com outras siglas. Então isso provoca resistência delas em fechar a aliança presidencial”, finaliza.