As autoridades temiam que os atos pudessem acabar em violência, mas as manifestações foram em sua maioria pacíficas, com poucos incidentes sérios
Grupos se aproveitaram da revolta com as mortes para estimular violência – (crédito: BBC)
Milhares de manifestantes antirracistas se reuniram em cidades por toda a Inglaterra na noite desta quarta-feira (7/8) em resposta aos protestos violentos de grupos de direita radical na última semana.
As autoridades temiam que os atos pudessem acabar em violência, e policiais extras foram mobilizados para manter a ordem em todo o país, mas as manifestações foram em sua maioria pacíficas, com poucos incidentes sérios.
As manifestações antirracismo aconteceram em Londres, Brighton, Southampton, Bristol, Birmingham, Newcastle e outras cidades do país.
O chefe da Scotland Yard, a Polícia Metropolitana de Londres, Mark Rowley, afirmou que foi uma “noite de muito sucesso”, dizendo que os temores de desordem provocada pela direita radical foram “reduzidos”.
Em Accrington, no noroeste da Inglaterra, frequentadores de pubs foram vistos abraçando muçulmanos na rua, enquanto em Londres um manifestante disse à BBC que compareceu ao ato porque sua comunidade multiétnica queria “garantir que ninguém jamais nos intimidaria”.
O prefeito da capital agradeceu àqueles “que saíram pacificamente para mostrar que Londres está unida contra o racismo e a islamofobia”.
Em uma publicação no X, Sadiq Khan também agradeceu “à nossa força policial heroica trabalhando 24 horas por dia para manter os londrinos seguros” depois que 1.300 policiais foram mobilizados.
“E para aqueles criminosos da direita radical que ainda pretendem semear ódio e divisão – vocês nunca serão bem-vindos aqui”, acrescentou o prefeito.
Abaixo, as cidades onde os protestos antirracismo foram registrados:
Onda de violência anti-imigração
Os protestos da noite de quarta foram uma resposta à onda de violência anti-imigração que tomou a Inglaterra na última semana.
Os distúrbios começaram após o assassinato de três meninas em um ataque a facadas em Southport, no noroeste da Inglaterra. Enquanto a cidade litorânea lamentava a tragédia, grupos de direita radical usaram o incidente como uma oportunidade para intimidar comunidades não brancas e de imigrantes.
Vigílias pacíficas na cidade logo deram lugar à violência e destruição. A onda de distúrbios — na qual manifestantes arremessaram tijolos, bombas de fumaça e outros projéteis contra a polícia, e solicitantes de asilo foram alvo de ataques em hotéis em que foram instalados pelo governo enquanto aguardam a conclusão de seus pedidos — se espalhou para outras partes do Reino Unido, incluindo Hull, Liverpool, Manchester, Blackpool e Belfast.
Índia, Nigéria e Malásia são alguns dos países que emitiram alertas para seus cidadãos em viagem para o Reino Unido. O Itamaraty recomendou que brasileiros que vivem no país tomem precauções.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, descreveu as cenas dos distúrbios como “selvageria de direita radical”
Desinformação
Quando a notícia dos esfaqueamentos em Southport veio à tona, a desinformação sobre a identidade do suspeito se espalhou rapidamente nas redes sociais.
Devido à idade dele, a polícia só podia confirmar que um rapaz de 17 anos havia sido acusado — e pediu à população que parasse com especulações.
Mas boatos de que o suspeito era um solicitante de asilo muçulmano que havia chegado ao Reino Unido em um bote normalmente usado para a travessia do Canal da Mancha foram alimentados por influenciadores de direita radical nas redes sociais, que incentivavam as pessoas a “tomar uma atitude”.
De acordo com a BBC Verify, um deles era um influenciador do X chamado Stephen Yaxley-Lennon (que usa o pseudônimo Tommy Robinson), associado ao fundador da Liga de Defesa Inglesa (EDL, na sigla em inglês), grupo de direita radical.
As alegações falsas começaram a inundar as plataformas de rede social, atingindo um grande público — incluindo pessoas comuns sem nenhuma conexão com indivíduos e grupos de direita radical, segundo a BBC Verify.
“Não houve uma força motriz única”, diz Joe Mulhall, chefe de pesquisa do grupo antirracismo Hope Not Hate.
“Isso reflete a natureza da direita radical contemporânea. Há um grande número de pessoas engajadas em atividades online, mas sem uma estrutura de associação ou membros — não há nem sequer uma estrutura formal de liderança, mas (as pessoas) são direcionadas por influenciadores de redes sociais. É como um cardume de peixes, em vez de uma organização tradicional.”
Racismo e imigração
As eleições gerais, realizadas no início de julho, trouxeram à tona temas como a imigração e a chegada de migrantes em pequenas embarcações ao Reino Unido.
Nigel Farage, que foi um dos protagonistas da campanha pelo Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), também voltou à cena política como líder do partido político Reform UK, que pediu o bloqueio da imigração “não essencial”.
Em resposta aos violentos protestos, ele afirmou que “a maioria da nossa população pode ver a fragmentação das nossas comunidades como resultado da imigração em massa e descontrolada”.
As evidências mostram que há uma preocupação por parte da população no Reino Unido em relação aos níveis atuais de imigração legal e ilegal.
Uma pesquisa do instituto Ipsos revelou em fevereiro que 52% das pessoas acreditavam que os níveis atuais de imigração eram muito altos. Dois anos antes, apenas 42% diziam isso.
Mas a pesquisa Ipsos mostrou que as pessoas, em geral, são mais otimistas em relação ao impacto da imigração do que o contrário, embora essa diferença também tenha diminuído desde 2022.
Outros grupos, incluindo o Patriotic Alternative, de direita radial, que organizou protestos contra imigrantes, promoveram encontros que se aproveitaram da revolta da população em relação aos ataques de Southport e que se transformaram em distúrbios violentos.
Grupos de direita radical mais extremistas pediram deportações em massa.
“Uma das coisas que constantemente impedem que a direita radical seja uma força maior neste país são as brigas internas, mas Southport de fato a uniu”, disse à BBC Radio 4 Lizzie Dearden, autora do livro Plotters: The UK Terrorists Who Failed, que já foi editora de assuntos nacionais do jornal britânico The Independent.
Ataques racistas tiveram como alvo mesquitas em partes da Inglaterra, exigindo a presença de força policial especial em algumas áreas.
Hotéis que abrigam solicitantes de asilo também se tornaram um foco para ataques racistas e anti-imigração.
Na cidade de Aldershot, no sul da Inglaterra, o jornalista da BBC Paddy O’Connell testemunhou um fluxo de manifestantes do lado de fora de um hotel que abriga solicitantes de asilo.
“No Facebook, uma manifestação pacífica foi convocada para chamar a atenção para problemas de moradia (e) problemas de integração — e a coisa ficou muito feia. Arremessaram tijolos, gritaram insultos raciais, e foi muito assustador estar no hotel”, disse ele ao podcast Newscast, da BBC.
Na calçada do lado de fora, ele conversou com duas irmãs do Afeganistão que estavam buscando asilo no Reino Unido.
“[Os manifestantes] chegaram de repente e estacionaram os carros aqui. Eles estavam tentando entrar no hotel. Quebraram até o muro e o portão. Janelas também foram quebradas. Foi muito assustador”, contou uma das irmãs, de 22 anos.
“Eles estavam abusando de nós [gritando insultos] e fazendo vídeos, o que não é um bom comportamento”, acrescentou a outra irmã, de 17 anos.
Por BBC GERAL