Esta semana, um colega, ao fazer um elogio a outro, chamou-o de profissional. “Eis ali um profissional”. Na hora, pensei em fazer uma ressalva, não em relação à pessoa (de quem até gosto e admiro), mas sobre “profissional”, a palavra.
Na hora, porém, resolvi nada falar, pois quem cala consente. Vai que eu dissesse “a” e ele achasse que era “b”! E ali, aos olhos do colega, eu já seria o mais novo amigo da onça, movido pelo despeito enrustido do nobre e respeitável funcionário.
Profissional. Fiquei com essa palavra na cabeça…
Na infância, no Junco, ouvia adultos usarem-na em pronúncia silábica – “ele é pro-fis-si-o-nal” –, para enfatizar que o cara era um craque naquilo que fazia, inclusive no futebol, esta área em que muitos profissionais não passam de cabeças-de-bagre.
No futebol, qualquer profissional, por mais que fosse um perna-de-pau juramentado, por mais que fosse um zagueiro mamão ou goleiro mão-de-quiabo, ainda assim ele seria uma sumidade, um semideus de Wembley, quando perto de nós, anônimos, peladeiros, amadores.
Amador, eis aí outra palavra, a antônima de profissional…
Pois a pequena ressalva vocabular que eu cogitei – e não fiz – era “apenasmente” essa: dizer que profissional não é necessariamente sinônimo de pureza, mérito e bondade. Profissional significa “aquele que exerce um ofício, uma profissão”.
O policial bom e o ruim, o pescador que mente e o que fala a verdade, o motorista que tem e o que não tem multa, o servidor público que trabalha e o que enrola… Todos são profissionais. São profissionais, sim!
E o que dizer do aspone, do carregador de piano e do carregador de malas do chefe? São profissionais. E põe profissional nisso! Até estudante entra como “profissão” em formulários cadastrais. Eu já tive essa profissão: estudante.
Ainda bem que, na referência que o colega fez ao outro, o termo foi para elogiar. Se se referisse a um político, seria acusação: “Eis ali um [político] profissional”. Estaria embutida a ideia de que o referido é um cara que faz da política um meio de vida.
Se pararmos para pensar, veremos que padre, cardeal, até mesmo o papa, todos são profissionais. O sacerdócio é a profissão de fé deles, sua vida, seu mundo. Mas, cá para nós, não cai bem chamá-los de profissionais, pois pode parecer desrespeito.
Interessante é que o termo “profissional” virou também eufemismo. Aquela que é tida como a mais velha profissão do mundo: meretriz, messalina, puta, prostituta, garota de programa, acompanhante… Basta uma palavra: profissional.
E com o status de “mais antiga profissional do mundo”!
Já imaginou se a pessoa referida pelo meu interlocutor fosse uma mulher? Ele diria: “Eis ali uma profissional”. Quanto pano para manga não daria, não é?
Na gíria, até já se ouve o termo “profissa” como sinônimo de profissional. Às vezes, não tem conotação deprecativa, sendo apenas corruptela de profissional: “O som é profissa” [o som é de alto nível]. Na maioria das vezes, porém, é referência pejorativa à acompanhante de luxo: “Ela é profissa” [profissional do sexo].
Bom, e se há a profissional do sexo, há o profissional do crime, o matador de aluguel, que outrora era conhecido como pistoleiro ou capanga. Ou seja, todos esses são profissionais – e altamente remunerados, diga-se. Quando “trabalham”, alegam que estão “ganhando o leite das crianças”.
Agora, para encerrar o papo, voltemos ao jogador de futebol.
Num dia ele é apresentado num clube, jura amor eterno, beija o escudo e é aquela maravilha. No ano seguinte, ou até no mesmo ano, lá está ele chegando para jogar no arquirrival, sorrindo, beijando a outra camisa, jurando um novo eterno amor.
Se você lhe cobrar algo, ele já tem a resposta na ponta da língua: “Eu sou um profissional”. E completa: “Tenho que ganhar o leite das crianças”. Coitadas das inocentes criancinhas! Tudo passa a ser o “leite das crianças”!
Pois é, neste mundão cheio de profissionais, dizem não haver espaço para amadores. Se, porém, as pessoas soubessem o real significado de “amador”, não diriam que não há lugar para eles no mundo. Afinal, amadora é a pessoa que ama, que se dedica a uma arte ou ofício por idealismo.
E não só idealismo, mas também prazer, paixão, amor – nem sempre dinheiro.
Enfim, esta semana, após a frase do colega, era mais ou menos isso que eu queria dizer. Nada obstante o mérito do elogiado, queria dizer que profissional todos nós somos, basta um ofício, uma profissão, um emprego. Quero ver é ser amador.
No mundo, esta gigantesca sociedade anônima, pode até não haver lugar para amadores. Mas este velho mundo está precisando é deles, os amadores – os altruístas e desprendidos amadores.
Enfim, a frase que eu queria ouvir era esta: “Eis ali um cara que ama o que faz”.
Por: Marcelo Torres (marcelocronista@gmal.com)